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Equador terá eleição sob estado de exceção após assassinato

GIRO LATINO

Engolido por onda de violência, país vê cenário recrudescer após assassinato de presidenciável Fernando Villavicencio; governo põe país em estado de exceção, mas garante eleições

12 de ago. de 237 min de leitura
12 de ago. de 237 min de leitura

Antes de virar o tema de abertura desta edição, as eleições equatorianas, previstas para o próximo domingo (20), seriam descritas por este GIRO da seguinte forma: “mais do que instigados pela votação em si, eleitores irão às urnas assolados pelo medo”. O resumo, porém, passou a ser insuficiente a partir da quarta-feira (9), quando o jornalista e ex-parlamentar Fernando Villavicencio, um dos oito candidatos à Presidência este mês, foi morto a tiros na saída de um comício em Quito, capital do país. Tudo aconteceu muito rápido: pouco após os disparos fatais, realizados por um sicário que também acabou morto em circunstâncias ainda mal explicadas, o presidente Guillermo Lasso decretou 60 dias de estado de exceção, estabeleceu luto nacional e, por fim, afastando rumores inevitáveis, bradou: “as eleições não serão suspensas”. 

A partir desta semana, é essa a pergunta que segue no ar em terras equatorianas: se o país terá, de fato, clima ou condições para abrir a votação no dia 20 de agosto. Inicialmente, o presidente chegou até a restringir o direito à liberdade de reunião como parte do decreto de exceção, mas depois voltou atrás, entendendo que a medida inviabilizaria a realização de novos eventos de campanha.

Após o anúncio de Lasso, o Ministério da Defesa garantiu que as Forças Armadas estarão “em estado de alerta” para garantir a realização do processo, numa tentativa de tranquilizar a população – que não terá escolha senão sair de casa, já que, no Equador, o voto é obrigatório para cidadãos com menos de 65 anos.

Mesmo assim, não é possível garantir que o país esteja livre de novos crimes na corrida eleitoral: só este ano, um total de seis políticos equatorianos foram assassinados, incluindo o prefeito da cidade portuária de Manta, Agustín Intriago – segundo um assessor de campanha de Villavicencio, as duas mortes teriam sido ordenadas “pelos mesmos grupos narcos”. Na quinta (10), um dia depois do atentado contra o presidenciável, a candidata ao Congresso Estefany Puente – que concorre pela coalizão Claro Que Se Puede, que lançou Yaku Pérez à Presidência – foi alvo de um ataque a tiros contra seu carro de campanha e saiu ferida. Não havia informações sobre possíveis autores até o fechamento desta edição.

Co-fundador do partido Pachakutik, Villavicencio era um notório ativista em temas socioambientais. O candidato era contrário à exploração petrolífera na Amazônia equatoriana, alvo de um referendo no mesmo dia das eleições. Foto: Mauricio Muñoz / Assembleia Legislativa do Equador
Co-fundador do partido Pachakutik, Villavicencio era um notório ativista em temas socioambientais. O candidato era contrário à exploração petrolífera na Amazônia equatoriana, que será objeto de referendo junto às eleições gerais. Foto: Mauricio Muñoz / Assembleia Legislativa do Equador

Enquanto autoridades seguem bancando o pleito, outras dúvidas cercam os dias posteriores ao crime: primeiro, qual será o destino da chapa até então liderada por Villavicencio – segundo as regras, o posto não poderá ser assumido por sua vice, a ambientalista Andrea González, o que obrigaria os líderes do movimento Construye e Gente Buena, caso queiram se manter na disputa, a submeter um novo nome (obrigatoriamente do próprio partido) às autoridades eleitorais. O impedimento de González de chegar à titularidade se dá por uma peculiaridade legal: no Equador, as candidaturas são “irrenunciáveis”, o que significa que uma pessoa precisa concorrer até o fim ao mesmo cargo pelo qual postulou inicialmente (no caso dela, ao cargo de vice-presidenta). 

Antigos integrantes do Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) ouvidos pela imprensa local, no entanto, não descartam a possibilidade de que novas inscrições (ainda que feitas de forma legal diante da morte do candidato) acabem impugnadas a pedido de outras chapas ou não sejam confirmadas pela Justiça em tempo hábil. Para esses casos, a lei não estabelece um prazo mínimo para a candidatura ser apresentada ou confirmada, e resta confiar que impere o bom senso, já que uma chapa sem um nome para a Presidência, em tese, estaria impedida de ter a votação validada, mesmo que um candidato fosse homologado depois. O impasse seguia sem resolução até o fechamento desta edição. 

Para além das questões meramente eleitorais, o país quer saber: quem mandou matar Fernando Villavicencio? Ainda não há uma resposta oficial: ao menos seis suspeitos (todos de nacionalidade colombiana, segundo as autoridades) foram detidos, mas vários indícios apontam possíveis caminhos de investigação. O próprio candidato chegou a dizer em mais de uma oportunidade que recebeu ameaças de morte enviadas supostamente por integrantes do grupo criminoso Los Choneros, considerado o braço equatoriano do temido e poderoso cartel mexicano de Sinaloa – de forma geral, o avanço do narcotráfico mexicano é visto como um dos fatores determinantes para o aumento vertiginoso da violência no Equador nos últimos anos. No começo do mês, um dos coordenadores de Villavicencio relatou que também foi alvo de ataques virtuais – “já sei que você é da segurança, de hoje você não passa… estou te vigiando”, dizia a mensagem, supostamente enviada por um chonero de um número indonésio. 

Sem surpresas, o caso também respingou na política: Verónica Sarauz, viúva do presidenciável morto, acusou (sem apresentar evidências) o grupo político correísta – ligado ao ex-presidente Rafael Correa (2007-2017) – e também uma ex-senadora denunciada pelo candidato de estarem por trás do crime. Villavicencio chegou a ser aliado de Correa no passado, mas logo se tornou mais conhecido por ser defensor da bandeira anticorrupção do que por um alinhamento ideológico com o então presidente. E, com o tempo, ele mudou de lado e se tornou um notório anticorreísta – em 2014, após ser condenado por injúrias contra Correa, chegou a fugir para a floresta amazônica para escapar da sentença, refugiando-se em uma aldeia indígena até ser perdoado em 2017 pelo então presidente Lenín Moreno, que rompeu com Correa após ter atuado como seu vice durante vários anos. 

Enquanto todas essas lacunas seguem abertas, equatorianos vão, apreensivos, contando os dias até o primeiro turno das eleições antecipadas – que, vale lembrar, são por si só fruto de uma outra crise, como contado em maio pelo GIRO. Nas pesquisas mais recentes, quem segue na frente como favorita para ir ao segundo turno ainda é a ex-parlamentar Luisa González, candidata correísta. Já a disputa pelo segundo lugar segue aberta, com novos números positivos em agosto para o empresário conservador da área de segurança Jan Topić – que, com campanha totalmente centrada no combate à criminalidade, pode até se ver beneficiado pelo atentado da última quarta-feira, como costuma acontecer com políticos conservadores no continente. Se tudo der certo, este primeiro capítulo eleitoral deve se encerrar em alguns dias; a violência que sequestrou o país, porém, vai precisar de mais do que algumas decisões para sair de cena. Até porque um provável segundo turno acrescenta quase dois meses de – arriscadas – campanhas ao calendário equatoriano: a nova rodada de votação ocorreria só em 15/10.  

CAPA: Fernando Villavicencio, candidato à presidência do Equador e deputado até a dissolução do Congresso, fazia constantes denúncias contra as “máfias políticas”. A equipe de segurança de Villavicencio foi alvo de ameaças no início do mês. Foto: Cristian Cagua / Assembleia Legislativa do Equador

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