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Eleições na Guatemala: esquerda segue na briga; direita leva Congresso

GIRO LATINO

Governo não emplaca nome no segundo turno, mas cai atirando e ganha 22 cadeiras no Congresso, forçando alianças; pela Presidência, esquerda medirá forças com direita menos radical em agosto

1 de jul. de 236 min de leitura
1 de jul. de 236 min de leitura

Os primeiros resultados das eleições gerais da Guatemala, no último domingo (25), surpreenderam eleitores e institutos de pesquisa e deixaram em aberto o futuro do país. A votação para presidente teve novidades e velhos conhecidos: fiel à maioria das projeções, a conservadora Sandra Torres (15,7%) chega ao segundo turno pela terceira vez, contrastando com o estreante Bernardo Arévalo (11,8%), o surpreendente segundo colocado que tentará ser eleito por uma plataforma de centro-esquerda criada apenas alguns anos atrás. O partido governista Vamos não segue na briga pela faixa presidencial, mas o cenário é diferente para o Congresso, onde essa mesma direita, considerada mais radical, deve dominar a partir do próximo ano. 

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Como já contado repetidamente por este GIRO, inclusive na edição anterior a esta, há uma sanha autoritária entre as instituições guatemaltecas que passa pela influência do governo de Alejandro Giammattei – que, ao lado de aliados no Ministério Público, promove há anos uma intensa caça a juízes, procuradores, opositores e, de forma notável, à imprensa crítica a sua gestão. O nome encarregado de manter o controle total do Executivo nas mãos da situação era Manuel Conde, candidato pelo Vamos. Ele foi o terceiro mais votado (7,8%) no último final de semana e saiu da briga logo de cara, uma derrota relativamente esperada.

Mas a perspectiva é outra quando se trata dos resultados das eleições legislativas. Na renovação das 160 cadeiras do Congresso (unicameral), o Vamos de Giammattei foi massacrante: ampliou sua representação em 22 cadeiras, somando um total de 39 representantes a partir do próximo ano. A legenda será a principal força da Casa, desbancando justamente a Unidade Nacional de Esperança (UNE), de Sandra Torres – outrora maior partido do Congresso, agora a legenda terá a segunda maior representação (28). No total, a UNE perdeu 23 assentos. Já o Movimento Semilla, jovem agremiação de Bernardo Arévalo, vive sua primavera eleitoral: além de mandar um presidenciável para o segundo turno só cinco anos após seu registro oficial, o partido somou 16 deputados aos que já tinha, tornando-se a terceira maior bancada no Congresso, com 23 parlamentares.  

Vários cenários possíveis se desenham a partir daí. Em caso de vitória, o recém-promovido Semilla não terá vida fácil: ainda que Arévalo tenha ele próprio uma carreira parlamentar mais longa – além de ser um respeitado ex-diplomata –, seu jovem partido seria forçado a costurar alianças não apenas com a UNE, mas, também, com essa mesma direita governista que se distancia – e muito – dos princípios partidários mais à esquerda. Porém, nada incomum para uma ideologia que sobrevive em um país tomado pelo conservadorismo, o que se comprova pela trajetória do pai do próprio Arévalo, o ex-presidente Juan José Arévalo (1945-1951).

Responsável por uma agenda progressista, com destaque para a implementação do salário mínimo e do confronto aos latifundiários, Arévalo pai iniciou um ciclo de improváveis mudanças sociais no país que ganharam sequência com seu sucessor, Jacobo Árbenz. A onda progressista, porém, foi contida após um golpe de Estado em 1954, encomendado (como tantos no século 20) pelos EUA. É por este motivo que o candidato do Semilla nasceu não na Guatemala, mas no Uruguai, durante o exílio da família. 

A dinâmica deve ser outra, porém, caso Torres vença as eleições em sua terceira tentativa. Primeiro, é necessário separar o joio do trigo: empresária, Sandra Torres – que chegou a ser presa em 2019 por corrupção – abraçou uma franca guinada à direita conservadora, no que se especula ser uma tentativa de se descolar da essência (alegadamente) social-democrata da legenda que já foi de seu antigo companheiro, o finado ex-presidente Álvaro Colom (2008-2012).

Mas seja partido, seja Torres, fato é que uma aliança entre um eventual governo da UNE e a bancada (agora expandida) do Vamos não seria lá uma novidade: a despeito de qualquer desavença pública e incompatibilidade ideológica, os deputados da UNE passaram os últimos quatro anos votando ao lado do governo Giammattei, numa espécie de pacto tramado nos corredores. E isso acontece apesar das críticas que a própria Torres faz a Giammattei, a quem inclusive acusou de comprar votos no último final de semana.

Sandra Torres em encontro com o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almargo, em 2018. Foto: Juan Manuel Herrera / OEA
Sandra Torres em encontro com o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, em 2018. Foto: Juan Manuel Herrera / OEA

Só mesmo um cenário de nova dobradinha UNE-Vamos abriria caminho para a viabilização de pautas sensíveis: a aprovação de leis de urgência nacional e de reformas constitucionais, por exemplo, exige maioria qualificada – ou seja, 107 dos 160 deputados, força com a qual nem mesmo os três principais partidos contam juntos. Negociações em um legislativo fragmentado e pouco fiel, então, são esperadas, segundo analistas. 

Caso contrário, a coisa pode pegar fogo – literalmente: até mesmo o autoritário Giammattei passou por maus lençóis em 2020, quando uma votação a portas fechadas do orçamento federal do ano seguinte causou revolta na população, que, furiosa, incendiou o Congresso na capital durante dias de tensão. Em um contexto de embates entre instituições, quem conseguir manter essa bomba-relógio sob controle sai em grande vantagem. Arévalo e Torres agora viajam pelo país para intensificar a campanha. Até o fechamento desta edição, pesquisas não davam vantagem a nenhum dos dois candidatos no segundo turno marcado para 20/8.

CAPA: Presidente guatemalteco Alejandro Giammattei compareceu às urnas no Colégio de Psicólogos da Guatemala, no último domingo (25). Foto: Governo da Guatemala via Flickr

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