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República Dominicana fecha fronteiras com Haiti

GIRO LATINO

Medida vem após presidente dominicano anunciar suspensão de vistos para migrantes do país vizinho. Bloqueio também afeta comércio bilateral e está relacionado a desvio de rio por agricultores haitianos

16 de set. de 235 min de leitura
16 de set. de 235 min de leitura

Desde o início da manhã de sexta-feira (15), todas as fronteiras entre República Dominicana e Haiti estão fechadas, inclusive para comércio bilateral por terra, água e ar. A decisão drástica de fechar as passagens veio quatro dias após, no início da semana, o presidente dominicano Luis Abinader anunciar que suspenderia a emissão de vistos para os cidadãos do país vizinho, indicando já na ocasião que se tratava apenas do primeiro passo de uma série de novas retaliações em função de uma prolongada disputa pelo uso de um rio compartilhado na divisa norte da ilha de Hispaniola.

Segundo o governo dominicano, a interrupção da circulação fronteiriça seguirá “enquanto for necessário”, isto é, até que a disputa tenha uma resolução – um sinal do fracasso das conversas levadas a cabo durante a semana entre representantes dos dois governos para tentar solucionar o impasse sem bloquear a ligação entre os únicos países que dividem o território insular.

A razão do imbróglio já dura dois anos. Em 2021, fazendeiros do Haiti iniciaram a construção de um canal para desviar as águas do Rio Massacre, também chamado Dajabón, que deve o curioso nome a uma matança ocorrida ali durante o período colonial, no século 18. As obras causaram indignação no lado dominicano, que entende ter direito igual sobre os recursos fluviais segundo um tratado firmado em 1929 e afirma que os trabalhos estão prejudicando a agricultura e o meio ambiente no seu lado da divisa, já que alterariam o volume habitual disponível. Porto Príncipe, por sua vez, diz que o mesmo acordo dá aos haitianos “pleno direito” de explorar a água como bem entenderem enquanto nação soberana. 

O “Tratado de Paz, Amizade Perpétua e Arbitragem” de 94 anos atrás realmente concede aos países o direito de dispor da água para uso agrícola e industrial “de maneira justa e equitativa”, mas impede a realização de obras capazes de alterar as correntes dos rios compartilhados.

Mulheres haitianas lavam roupa no Rio Massacre, na fronteira norte com a cidade de Bajabón, na República Dominicana. Foto: Comissão Europeia via Flickr
Mulheres haitianas lavam roupa no Rio Massacre, na fronteira norte com a cidade de Dajabón, na República Dominicana. Foto: Comissão Europeia via Flickr

O Haiti, hoje, agarra-se a uma declaração conjunta das duas chancelarias assinada em 28 de maio de 2021, quando a disputa começou. No documento, os dominicanos reconheceram que as obras em andamento não contrariavam o acordo ao “não constituir um desvio do leito do rio”. Santo Domingo, por sua vez, argumenta que a situação mudou desde então, e a alteração no Massacre já seria significativa o bastante para se enquadrar como uma violação dos termos.

A suspensão da concessão de vistos e o subsequente fechamento da fronteira também têm sido encarados como um novo pretexto de Santo Domingo para conter a imigração irregular haitiana, que segue em níveis elevados em função das sucessivas crises vividas pelo país na última década. Se o objetivo era este, em um primeiro momento Abinader foi bem-sucedido: na véspera do fechamento da fronteira, estimava-se que até 300 migrantes estavam retornando diariamente para o Haiti nos dias prévios, temendo deportações compulsórias ou ficar sem contato com familiares no país natal. 

Nem todos os dominicanos estão de acordo com a medida que muitos veem como exagerada. O ex-presidente Leonel Fernández (1996-2000 e 2004-2012), por exemplo, disse que as ações – que envolvem até o uso de militares – equivalem a um chamado à guerra. “É preciso ver se não estamos fazendo algo desproporcional ao que se quer obter e, em todo caso, há mecanismos diplomáticos para abordar a questão antes de fazer uso da força bruta”, argumentou.

Cultivo de melancia no lado dominicano da fronteira, em Loma de Cabrera. Foto: Presidência da República Dominicana via Flickr
Cultivo de melancia no lado dominicano da fronteira, em Loma de Cabrera. Foto: Presidência da República Dominicana via Flickr

Não está claro por quanto tempo Abinader será capaz de sustentar a política imposta no final desta semana. Apesar do incômodo com a crise vizinha, a República Dominicana ainda tem no Haiti seu terceiro maior parceiro comercial, com US$ 11 bilhões em exportações só no ano passado – também se estima que o comércio informal em áreas de fronteira, agora fechadas, movimente em torno de US$ 400 milhões em um ano normal.

A tendência é que o assunto não tenha desfecho simples: mesmo se houver vontade do governo do premiê haitiano Ariel Henry em interromper as obras, ele conta com escasso poder e legitimidade dentro do próprio país e vê seus apelos rotineiramente ignorados pela população – especialmente em áreas distantes da capital Porto Príncipe, como é o caso dos arrabaldes do Massacre.

Enquanto Abinader manda as Forças Armadas para vigiar a divisa e diz que a obra é ação de “um grupo de anárquico” que age diante da “falta de ação do governo central”, os agricultores que estão desviando o rio não titubeiam. “Nossa posição é clara: o canal ou a morte”, garantiu a uma rádio local Jean Brévil Weston, que coordena o movimento campesino na região. “Estamos prontos para ser enterrados no canal”.

CAPA: Fronteira entre República Dominicana e Haiti na ponte do Rio Massacre. Foto: Comissão Europeia via Flickr

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