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"Raiz Afro Mãe" honra vida e obra de Môa do Katendê

Documentário baseado em entrevista derradeira do mestre baiano destaca sua influência na cultura brasileira

Gaía Passarelli | Headline, São Paulo
#CINEMA5 de ago. de 235 min de leitura
Mestre Môa do Katendê em imagem de "Raiz Afro Mãe" | Foto: reprodução/Kana Filmes
Gaía Passarelli | Headline, São Paulo5 de ago. de 235 min de leitura

Em fevereiro de 2018, o documentarista paulista Gustavo McNair estava em Salvador quando conheceu Romualdo Rosário da Costa, conhecido como Mestre Môa do Katendê. Na hora, Gustavo entendeu que tinha uma história para contar: um documentário que registrasse a importância de Môa para a cultura afro-brasileira, passando pelo candomblé, pela capoeira e pelo carnaval. Môa, que já queria fazer um filme, gostou da ideia. Eles realizaram uma primeira entrevista, em Salvador. Foi a última entrevista de Môa em vida. Na sequência, ele partiu para uma temporada na Europa, algo que fazia todos os anos, e só voltou a Salvador para votar nas eleições presidenciais de 2018. Na madrugada de oito de outubro de 2018, Môa se envolveu em uma discussão e foi assassinado a facadas por um eleitor bolsonarista em um bar de Salvador. Ele faria 64 anos no dia 29 próximo.

“Eu acordei com a notícia por volta das seis da manhã, no nosso grupo no WhatsApp,” lembra Gustavo, em entrevista feita por telefone essa semana.  “Nós ficamos primeiro muito revoltados e tristes, claro. E depois fomos a Salvador para conhecer e conversar com a família do Môa, para entender o que eles achavam de continuar com o filme”.

O documentário poderia ter sido interrompido aí. Mas não. Passado o choque com a tragédia, diretor e equipe decidiram manter o plano. “Junto com a família, durante essa visita a Salvador, nós mantivemos a decisão de fazer o filme sobre a vida do Môa, e não sobre a morte, para evitar essa imagem dele como mártir político, que é algo que de certa forma diminui sua figura. Essa é uma preocupação que eles tinham e com a qual nós concordamos.”

A decisão se mostrou acertada. “Môa: Raiz Afro Mãe”, longa metragem que estreia essa semana em cinemas pelo Brasil, cumpre a missão de organizar a linha do tempo das muitas realizações de Môa do Katendê em vida. Com riqueza de imagens de arquivo da cena cultural de Salvador desde o século 19, o documentário agrada tanto para quem já o conhece quanto para quem, como Gustavo lá em 2018, quer conhecer o compositor, dançarino capoeirista, ogã-percussionista, artesão e educador na propagação da cultura afro-brasileira pelo mundo. “Raiz Afro Mãe” chega acompanhado de um álbum póstumo, com gravações deixadas por Môa e participação de BaianaSystem, Chico César, Rincón Sapiência, Criolo, Emicida, BNegão e Luedji Luna, entre outros, já disponível nas plataformas de streaming.

“Quando o conhecemos em Salvador, ficamos encantados pelas histórias que Môa contava, pelo universo que ele frequentou,” conta Gustavo. “Mas também ficamos perplexos por não conhecermos o nome dele antes. Vimos que ele era enorme mas que pouca gente fora da Bahia, de Salvador, sabia dessa importância, do tamanho de Môa para a cultura afro-brasileira.“ A percepção da equipe do filme também se mostrou acertada. Cada pedido de entrevista abria uma nova porta.

As entrevistas incluem Gilberto Gil, a cantora Fabiana Cozza e o artista e carnavalesco Alberto Pitta, além de personalidades do candomblé e da capoeira.

O carnavalesco Alberto Pitta em imagem de "Raiz Afro Mãe".
O carnavalesco Alberto Pitta em imagem de "Raiz Afro Mãe". Foto: reprodução/Kana Filmes

“Nós partimos de nomes que Môa nos deu na entrevista, e nas conversas que tivemos antes de começarmos a gravar. Nos aproximamos das pessoas que ele indicou para termos uma régua e sermos fiel à história que ele queria contar.”

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Gustavo McNair

(diretor)

A primeira vítima

Môa do Katendê foi assassinato na madrugada do primeiro turno das eleições de 2018, por um eleitor de Jair Bolsonaro. O barbeiro Paulo Sérgio Ferreira de Santana, que confessou o crime e cumpre pena, deu mais de dez facadas nas costas de Môa, que morreu na hora. A data do assassinato, e o fato de ter acontecido logo após uma discussão sobre política, deram a Môa o peso de “primeira vítima” daquele momento da história do país. Mas o documentário não escolheu esse caminho, e não começa ou termina com a morte.

Em muitos sentidos, “Raiz Afro Mãe” é uma carta de despedida, uma elegia preparada pelo próprio Môa a partir de sua entrevista derradeira. E justifica a decisão de fazer um documentário que é sobre uma trajetória de vida: “Tivemos a preocupação de fazer um filme sobre a vida, que era a vontade inicial e continuou mesmo depois que o nome de Môa ganhou projeção política. A gente entendeu que não podia dar mais destaque para a morte do que para a vida dele. A própria atuação de vida do Môa é política. Um homem preto e periférico, do candomblé de Salvador, que dedicou a vida a ensinar cultura e ancestralidade afro-brasileira como forma de ascensão social, isso o torna uma figura ativista muito importante. É uma vida que precisa ser imortalizada nesse lugar de celebração e de cultura.”

Estreia

"Raiz Afro Mãe" já está em cartaz em Aracaju, Fortaleza, Palmas, Florianópolis, Porto Alegre, Rio Branco, Rio de Janeiro e Salvador. Veja o trailer no Youtube.

Cartaz de "Raiz Afro Mãe".
Cartaz de "Raiz Afro Mãe". Foto: reprodução/Kana Filmes
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