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"Orçamento secreto 2.0" de Lula é retrocesso, diz Transparência Internacional
Como o mecanismo de emendas criado por Bolsonaro foi derrubado pelo STF no fim do ano passado, governo Lula publicou nova portaria alterando regras
Mario Camera, de Headline | São PauloA Transparência Internacional (TI), organização internacional de combate à corrupção, foi dura ao classificar a nova portaria do governo federal que define a distribuição do orçamento deste ano. Em entrevista à Headline, o diretor-executivo da ONG no Brasil, Bruno Brandão, afirmou que a atual regra "piora a situação anterior" estabelecida pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e que ficou conhecida como orçamento secreto.
"A primeira razão é que aumenta o valor [das emendas, agora de cerca de R$ 9,8 bilhões]. A segunda, é que o atual arranjo está ainda mais opaco do que estava na última versão do orçamento secreto", afirma Brandão, lembrando que o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva havia denunciado a manobra durante a campanha presidencial, mas terminou "abraçando mecanismo semelhante".
Em 2020, o governo Bolsonaro criou um mecanismo de barganha com o Congresso que permitiu que parlamentares usassem as chamadas emendas do relator para destinar verbas do orçamento sem se identificar. Daí, o nome orçamento secreto. O novo instrumento mantém a opacidade do processo.
Como o mecanismo foi derrubado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no fim do ano passado, o governo Lula publicou nova portaria em março, alterando alguns pontos.
Agora, o poder de distribuir verbas solicitadas pelos parlamentares passa às mãos do ministro-chefe da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, Alexandre Padilha – sem ação direta das comissões diretoras das casas legislativas. Isso por conta da mudança no indicador de Resultado Primário (RP) que rege esse tipo emenda e mede o grau de prioridade na liberação de verbas, que passou de RP9 – derrubado pelo STF – para RP2, destinado às chamadas despesas discricionárias, aquelas com maior margem de manobra do governo para alocação.
O que Lula fez foi trocar o orçamento secreto de lugar na hierarquia orçamentária e garantir que o pedido parlamentar passe agora pelas mãos de Padilha. Ao colocá-lo no controle da destinação dos recursos, Lula também tirou do parlamento o poder total de barganha com o restante dos congressistas e o concentrou em seu homem de confiança nas negociações com o Congresso Nacional.
O governo prometeu transparência na execução dos gastos, com indicação da aplicação dos recursos e de seus beneficiários. A explicação para manter tal instrumento opaco dentro da distribuição das verbas orçamentarias seria a governabilidade necessária dentro do presidencialismo brasileiro. Brandão discorda.
"Todos os países democráticos, com parlamento, enfrentam isso. Mas o que diferencia é o grau de integridade, são os termos dessa negociação. E no Brasil esses termos são criminosos", afirma o diretor-executivo da TI.
Leia abaixo a entrevista completa de Bruno Brandão à Headline.
Headline – Quanto essa nova portaria guarda da essência do chamado orçamento secreto, na medida em que não há obrigação de descrição do relator nos pedidos?
Bruno Brandão – É, não só guarda a essência do orçamento secreto, mas ela expande e piora a situação. Não só a portaria, mas o arranjo, como está agora, da barganha entre poder Executivo e Legislativo, piora a situação anterior. E por duas, razões: a primeira razão é que o valor total das emendas parlamentares ao orçamento aumentou com relação ao ano passado. A segunda razão que piorou a situação geral é que os mecanismos de transparência e controle, ainda que rudimentares, que haviam sido implementados a partir de pressões do Supremo Tribunal Federal, agora voltam à estaca zero com um novo arranjo dessa portaria, porque metade do recurso que era distribuído via orçamento secreto, agora é distribuído através do orçamento discricionário dos ministérios, que é ainda mais secreta a vinculação com os parlamentares que solicitaram as destinações.
Headline – Muito se fala sobre essa questão da governabilidade. Como o senhor analisa essa questão?
Bruno Brandão – Isso é um problema histórico, é estrutural, é uma questão, um desafio em qualquer democracia. Com a presença do parlamento, você tem que negociar – o governo eleito com a pluralidade representada no Congresso Nacional. Todos os países democráticos, com parlamento, enfrentam isso. Mas o que diferencia é o grau de integridade, são os termos dessa negociação. E no Brasil esses termos são criminosos. E isso, historicamente. Está aí a razão do Mensalão, a raiz do Petrolão e está aí o orçamento secreto. E agora o orçamento secreto 2.0. É um problema estrutural grave da democracia Brasileira, da integridade da democracia Brasileira.
Headline – No ano passado, o STF derrubou o orçamento secreto. Agora, tivemos essa manobra do governo Lula. Isso pode voltar a suscitar alguma discussão judicial?
Bruno Brandão – Certamente, porque os princípios defendidos na decisão do Supremo Tribunal Federal agora voltam a ser confrontados, violados. Os princípios constitucionais de impessoalidade, de transparência, os princípios de moralidade e os princípios que estavam embasando a decisão do Supremo Tribunal Federal, que declarou a inconstitucionalidade do orçamento secreto. E, agora, esse estado de inconstitucionalidade retorna.
Headline – Como a Transparência Internacional classifica essa portaria?
Bruno Brandão – É um grande retrocesso e uma imensa contradição com as críticas da própria ministra Simone Tebet e do então candidato Lula, que denunciaram esse esquema do orçamento secreto no governo Bolsonaro e agora adotam mecanismo semelhante, abraçam esse mecanismo.