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"Orçamento secreto 2.0" de Lula é retrocesso, diz Transparência Internacional

Como o mecanismo de emendas criado por Bolsonaro foi derrubado pelo STF no fim do ano passado, governo Lula publicou nova portaria alterando regras

Mario Camera, de Headline | São Paulo
#POLÍTICA4 de abr. de 235 min de leitura
Em cerimônia de posse, presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, ao lado dos presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (E), e do Senado, Rodrigo Pacheco (D). Foto Pablo Valadares/Câmara dos Deputados
Mario Camera, de Headline | São Paulo4 de abr. de 235 min de leitura

A Transparência Internacional (TI), organização internacional de combate à corrupção, foi dura ao classificar a nova portaria do governo federal que define a distribuição do orçamento deste ano. Em entrevista à Headline, o diretor-executivo da ONG no Brasil, Bruno Brandão, afirmou que a atual regra "piora a situação anterior" estabelecida pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e que ficou conhecida como orçamento secreto.

"A primeira razão é que aumenta o valor [das emendas, agora de cerca de R$ 9,8 bilhões]. A segunda, é que o atual arranjo está ainda mais opaco do que estava na última versão do orçamento secreto", afirma Brandão, lembrando que o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva havia denunciado a manobra durante a campanha presidencial, mas terminou "abraçando mecanismo semelhante".

Em 2020, o governo Bolsonaro criou um mecanismo de barganha com o Congresso que permitiu que parlamentares usassem as chamadas emendas do relator para destinar verbas do orçamento sem se identificar. Daí, o nome orçamento secreto. O novo instrumento mantém a opacidade do processo.

Como o mecanismo foi derrubado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no fim do ano passado, o governo Lula publicou nova portaria em março, alterando alguns pontos.

Agora, o poder de distribuir verbas solicitadas pelos parlamentares passa às mãos do ministro-chefe da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, Alexandre Padilha – sem ação direta das comissões diretoras das casas legislativas. Isso por conta da mudança no indicador de Resultado Primário (RP) que rege esse tipo emenda e mede o grau de prioridade na liberação de verbas, que passou de RP9 – derrubado pelo STF – para RP2, destinado às chamadas despesas discricionárias, aquelas com maior margem de manobra do governo para alocação.

O que Lula fez foi trocar o orçamento secreto de lugar na hierarquia orçamentária e garantir que o pedido parlamentar passe agora pelas mãos de Padilha. Ao colocá-lo no controle da destinação dos recursos, Lula também tirou do parlamento o poder total de barganha com o restante dos congressistas e o concentrou em seu homem de confiança nas negociações com o Congresso Nacional.

O governo prometeu transparência na execução dos gastos, com indicação da aplicação dos recursos e de seus beneficiários. A explicação para manter tal instrumento opaco dentro da distribuição das verbas orçamentarias seria a governabilidade necessária dentro do presidencialismo brasileiro. Brandão discorda.

"Todos os países democráticos, com parlamento, enfrentam isso. Mas o que diferencia é o grau de integridade, são os termos dessa negociação. E no Brasil esses termos são criminosos", afirma o diretor-executivo da TI.

Leia abaixo a entrevista completa de Bruno Brandão à Headline.

Headline – Quanto essa nova portaria guarda da essência do chamado orçamento secreto, na medida em que não há obrigação de descrição do relator nos pedidos?

Bruno Brandão – É, não só guarda a essência do orçamento secreto, mas ela expande e piora a situação. Não só a portaria, mas o arranjo, como está agora, da barganha entre poder Executivo e Legislativo, piora a situação anterior. E por duas, razões: a primeira razão é que o valor total das emendas parlamentares ao orçamento aumentou com relação ao ano passado. A segunda razão que piorou a situação geral é que os mecanismos de transparência e controle, ainda que rudimentares, que haviam sido implementados a partir de pressões do Supremo Tribunal Federal, agora voltam à estaca zero com um novo arranjo dessa portaria, porque metade do recurso que era distribuído via orçamento secreto, agora é distribuído através do orçamento discricionário dos ministérios, que é ainda mais secreta a vinculação com os parlamentares que solicitaram as destinações.

Headline – Muito se fala sobre essa questão da governabilidade. Como o senhor analisa essa questão?

Bruno Brandão – Isso é um problema histórico, é estrutural, é uma questão, um desafio em qualquer democracia. Com a presença do parlamento, você tem que negociar – o governo eleito com a pluralidade representada no Congresso Nacional. Todos os países democráticos, com parlamento, enfrentam isso. Mas o que diferencia é o grau de integridade, são os termos dessa negociação. E no Brasil esses termos são criminosos. E isso, historicamente. Está aí a razão do Mensalão, a raiz do Petrolão e está aí o orçamento secreto. E agora o orçamento secreto 2.0. É um problema estrutural grave da democracia Brasileira, da integridade da democracia Brasileira.

Headline – No ano passado, o STF derrubou o orçamento secreto. Agora, tivemos essa manobra do governo Lula. Isso pode voltar a suscitar alguma discussão judicial?

Bruno Brandão – Certamente, porque os princípios defendidos na decisão do Supremo Tribunal Federal agora voltam a ser confrontados, violados. Os princípios constitucionais de impessoalidade, de transparência, os princípios de moralidade e os princípios que estavam embasando a decisão do Supremo Tribunal Federal, que declarou a inconstitucionalidade do orçamento secreto. E, agora, esse estado de inconstitucionalidade retorna.

Headline – Como a Transparência Internacional classifica essa portaria?

Bruno Brandão – É um grande retrocesso e uma imensa contradição com as críticas da própria ministra Simone Tebet e do então candidato Lula, que denunciaram esse esquema do orçamento secreto no governo Bolsonaro e agora adotam mecanismo semelhante, abraçam esse mecanismo.

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