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O que é a ‘morte cruzada’, que pode antecipar eleições no Equador
Dispositivo da Constituição de 2008 permite ao presidente equatoriano dissolver o Congresso em situações de crise, mas pagando um preço alto: o próprio cargo
Giro LatinoA ameaça se repete: cada vez que um processo de impeachment avança contra um presidente equatoriano, o espectro da chamada “morte cruzada” volta a pairar sobre a política do país. Sob risco de ser destituído, o atual presidente Guillermo Lasso já fez referência ao dispositivo repetidas vezes desde que tomou posse, em maio de 2021 – e nunca descartou usá-lo. Mas, afinal, do que se trata essa alternativa extrema? Em linhas gerais, é um sistema que permite ao mandatário máximo do país dissolver o Parlamento constitucionalmente, desde que esteja disposto a pagar o preço de perder o próprio cargo, com a convocação de eleições gerais.
A “morte cruzada” invocada pela Presidência é regida pelo artigo 148 da Constituição de 2008, e pode ser utilizada quando o Executivo – com aval do Poder Judiciário – entende que o Congresso está adotando funções que não lhe competem, que atravanca deliberadamente o plano de desenvolvimento do país, ou em situações de “grave crise política e comoção interna”. Ela pode ser utilizada uma única vez nos três primeiros anos de mandato e, quando é desencadeada, exige a convocação imediata de novas eleições – mas com o presidente atual podendo levar até seis meses para entregar o cargo – tanto para ocupar a Assembleia Nacional como para a Presidência. Os novos eleitos, que podem até ser os mesmos nomes que acabaram de ser destituídos, passam então a ocupar mandatos-tampão pelo tempo que restava antes de os cargos ficarem vagos. No intervalo entre a dissolução do Parlamento e a nova eleição, o presidente pode governar por decreto em matérias urgentes.
É importante notar que a “morte cruzada” não precisa partir necessariamente do presidente. Um artigo semelhante da Constituição, o 130, permite que o Legislativo também dê início ao procedimento sob justificativas parecidas, podendo destituir o mandatário sem recorrer aos trâmites normais de um julgamento de impeachment. Mas, como os parlamentares já dispõem de maneiras para derrubar o presidente sem recorrer a esse artigo, em geral eles preferem tentar o impeachment “normal” – em qualquer cenário, seriam necessários os mesmos 92 votos (dois terços do Congresso de 137 lugares) para a iniciativa avançar. Assim, a ameaça da “morte cruzada” costuma partir sempre dos presidentes, embora nunca tenha sido usada de fato desde que a Constituição de 2008 entrou em vigor.