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México terá duas mulheres como favoritas para as eleições de 2024

GIRO LATINO

A senadora Xóchitl Gálvez, do PRD, será o principal nome da oposição para enfrentar a ex-prefeita da capital, Claudia Sheinbaum, definida na quarta (6) como candidata governista à Presidência do México

7 de set. de 237 min de leitura
7 de set. de 237 min de leitura

“Vamos abrir as portas do Palácio Nacional, portas que estão fechadas há cinco anos: aqui está a oposição”, bradou a senadora mexicana Xóchitl Gálvez no domingo (3), dia em que foi anunciada oficialmente como candidata à Presidência em 2024 pela coalizão opositora Frente Ampla pelo México (FAM). Registrado em julho, o bloco reúne três dos principais partidos de oposição: o conservador Partido Ação Nacional (PAN), legenda pela qual Gálvez chegou ao Senado, o Partido da Revolução Democrática (PRD), de centro-esquerda e atual sigla de Gálvez, e, não menos importante, o tradicionalíssimo Partido Revolucionário Institucional (PRI) – apesar de não ser mais tão poderoso como antes, sobretudo pelo avanço do partido do presidente Andrés Manuel López Obrador, o PRI ainda conserva bastante popularidade em algumas regiões do país. Cientes da força do governista Movimento Regeneração Nacional (Morena), as legendas de oposição perceberam que já não se garantem jogando sozinhas. 

A nomeação de Gálvez não aconteceu por acaso. Diante de um cenário com o Morena como franco favorito a vencer as eleições no próximo ano, o bloco opositor tentou minimizar os riscos: a FAM se baseou em pesquisas internas para medir o índice de popularidade de cada um de seus potenciais presidenciáveis. A senadora do PRD e ex-PAN, por fim, venceu a disputa, desbancando sua colega Beatriz Paredes, senadora indicada pelo PRI. Num gesto de boa relação que tem sido a marca desse novo pacto político, Paredes prontamente reconheceu a derrota, dizendo que “os interesses do México devem prevalecer”. 

Xóchitl Gálvez, senadora eleita pelo conservador PAN e agora militante do PRD, de centro-esquerda, se apresenta como principal nome da oposição para as eleições de 2024. Foto: Claudio Cruz / AFP
Xóchitl Gálvez, senadora eleita pelo conservador PAN e agora militante do PRD, de centro-esquerda, se apresenta como principal nome da oposição para as eleições de 2024. Foto: Claudio Cruz / AFP

Antes de se lançar como pré-candidata à Presidência, Xóchitl Gálvez já aparecia como uma opção viável da oposição para a disputa pelo governo da Cidade do México, outro cargo-chave que será definido em junho do ano que vem. No entanto, nada impulsionou mais a senadora do que sua contundente oposição a López Obrador. A saga caricata de Gálvez contra o mandatário teve de tudo: em dezembro do ano passado, ela viralizou nas redes sociais ao entrar no Legislativo fantasiada de dinossauro, classificando de “plano jurássico” um polêmico projeto de reforma eleitoral apoiado por AMLO; já mais popular, também atraiu holofotes ao ir pessoalmente à sede do governo nacional após conseguir na Justiça um direito de resposta às críticas do presidente. Em junho, foi barrada na porta e impedida de assistir a uma das tradicionais coletivas matutinas de Obrador – que justificou a decisão dizendo que tudo não passava de “publicidade”. 

Em agosto, por fim, a Justiça Eleitoral até impediu o presidente de mencionar a adversária durante suas aparições públicas. Mas a propaganda indireta já estava feita, levando a um boom de buscas pelo nome da senadora no Google.  

Em sua bio na rede X (antigo Twitter), ela se apresenta como empresária e engenheira e diz lutar contra “as mudanças climáticas e a corrupção”. Já sua identidade ideológica parece passear pelo espectro político: valoriza suas raízes indígenas, não nega suas influências marxistas na juventude e se até diz feminista e a favor do direito ao aborto. Mas também rejeita grandes rótulos, dizendo-se “de centro, centro-esquerda”, mas, sobretudo, “disruptiva e outsider

A missão da (até aqui) indecifrável Xóchitl Gálvez não será fácil. Sua principal adversária nas urnas será a ex-prefeita da capital Claudia Sheinbaum, anunciada na noite de quarta-feira (6) como a presidenciável do governista Morena. Assim como feito pelo grupo de oposição, a vitória de Sheinbaum, que já era apontada como favorita nas primárias por pesquisas prévias, foi determinada pelo resultado de quase 12,5 mil questionários independentes realizados em nível nacional, dando aos eleitores (não apenas partidários do Morena) a opção de escolher quem melhor representaria o partido em 2024. Preferida por 39% dos eleitores, a política venceu a disputa contra o ex-chanceler Marcelo Ebrard, outro nome forte dentre os governistas, que acabou com pouco mais de 25% dos votos. Outros nomes da coalizão, nunca considerados ameaças sérias à dupla, marcaram entre 6% e 12%. 

Claudia Sheinbaum foi indicada como a candidata do governista Morena para as próximas eleições mexicanas. Seu principal rival de legenda, Marcelo Ebrard, não compareceu ao evento oficial de indicação de Sheinbaum. Foto: Claudio Cruz / AFP
Claudia Sheinbaum foi indicada como a candidata do governista Morena para as próximas eleições mexicanas. Seu principal rival de legenda, o ex-chanceler Marcelo Ebrard, não compareceu ao evento oficial de indicação de Sheinbaum. Foto: Claudio Cruz / AFP

A derrota de Ebrard, no entanto, abriu uma nova fissura no partido: além de sugerir que o processo de seleção interno fosse “repetido” em função de supostas irregularidades, o ex-chefe da diplomacia mexicana rompeu de vez com Sheinbaum – colocando um pezinho para fora do partido e sequer dando as caras no anúncio oficial da candidatura, Ebrard chegou a dizer que “não se submeteria” à liderança “intolerável” da ex-prefeita e agora presidenciável. A guinada brusca do antigo chanceler é considerada uma surpresa, mas não totalmente: dias antes do início das primárias, quando pesquisas já indicavam sua derrota, Ebrard acusou o Morena de beneficiar a campanha de sua adversária. As insinuações foram rejeitadas pelo presidente, que negou qualquer favorecimento e afastou rumores de possíveis “dedazos” (como são conhecidas as candidaturas definidas por mera indicação). 

Virada essa página – e enquanto ainda se tenta decifrar a jogada política de Marcelo Ebrard, que prometeu tomar uma decisão sobre o próprio futuro na próxima segunda-feira (11) – Sheinbaum, agora, fica entre a benção e a maldição. Se por um lado pesquisas já apontam que ela teria 46% dos votos contra 31% de Gálvez caso as eleições fossem hoje, ainda não é certo dizer que a herdeira política do Morena absorverá toda a popularidade do presidente. Vale lembrar: impedido de se candidatar novamente, López Obrador – que diz que sequer gostaria de ser eleito e promete se aposentar da política – teria vitória praticamente certa caso pudesse permanecer. Uma hipótese, porém, inexistente. 

Também não é possível projetar qual México chegará às urnas no ano que vem. Sem conseguir resolver a violência endêmica, diante de altos índices de desaparecimentos forçados e cercado por controvérsias políticas alimentadas pelo próprio presidente, o Morena não pode se acomodar a despeito de sua popularidade. Afinal, as próximas eleições estão cheias de ineditismos: com as duas principais candidaturas com cabeças de chapa femininas, delas pode sair a primeira mulher a presidir o México em toda a história. E, para conquistar esse posto contra um partido que se tornou demolidor em âmbito eleitoral, Xóchitl Gálvez terá na manga uma inusitada união de opositores, coisa que também foge bastante do roteiro ao qual o México está acostumado. Até mesmo Luis Donaldo Colosio Riojas, filho de um presidenciável assassinado em 1994 e um dos nomes mais reconhecíveis fora da coalizão FAM, desistiu de entrar na disputa para “não dividir a oposição”.

Um triunfo de Sheinbaum, por outro lado, confirmaria o sepultamento, talvez definitivo, da ordem que ditou a política do país por quase um século: o PRI, que chegou a governar o país ininterruptamente entre 1929 e 2000, provando-se incapaz de derrubar o movimento iniciado por López Obrador mesmo se unindo (já em segundo plano) aos velhos rivais – entre eles, o PAN, o único capaz de vencer o priismo em nível nacional até o sucesso do Morena em 2018.

CAPA: Claudia Sheinbaum, ex-prefeita da Cidade do México, e a presidenciável indicada pelo PAN, a senadora Xóchitl Gálvez, vão se enfrentar nas eleições de 2024 no México. Fotos: Milton Martínez e Benjamín Anaya / Secretaria de Cultura da Cidade do México

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