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Marina Silva defende impeachment imediato de Jair Bolsonaro

Ex-candidata à presidente e líder da Rede fala a Headline sobre gestão ambiental do atual presidente e explica por que vê desvios de função na atuação de Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente. Texto publicado em 9 de junho de 2020

Andrei Netto, Felipe Paiva
#Meio Ambiente9 de jun. de 2020 min de leitura
Ex-ministra e ex-candidata a presidência Marina Silva, líder da Rede, aderiu ao impeachment de Dilma Rousseff. Agora, defende destituição de Bolsonaro. Foto: Daniel Marenco (2018)
Andrei Netto, Felipe Paiva9 de jun. de 2020 min de leitura

Se hesitou em defender o impeachment de Dilma Rousseff em 2016, antes de aderir a sua destituição, Marina Silva, líder da Rede Sustentabilidade e por três vezes candidata à presidência da República, defende sem meias palavras o impeachment de Jair Bolsonaro. Segundo ela, o processo de destituição tem três circunstâncias essenciais: haver um crime de responsabilidade, admissibilidade dos pedidos pelo presidente da Câmara e mobilização da sociedade. Pelo menos uma delas já estaria configurada.

“Ele comete crime quando ele tenta interferir no IBAMA e na Polícia Federal, para impedir que cumpram com suas atribuições. Comete crime de responsabilidade quando tem uma atitude de promover o caos em meio à pandemia, em prejuízo da vida de milhares e milhares de brasileiros. Desincentivando o isolamento social, desorganizando as ações dos governadores e dos prefeitos”, afirma, nesta entrevista ao Headline.

Confira trechos da entrevista em vídeo

O que esperar para este ano sobre as queimadas na Amazônia?

Este ano a preocupação é maior por parte da comunidade científica, dos movimentos sociais, dos ambientalistas e dos produtores que têm responsabilidade sócio-ambiental. Nós estamos num período que ainda não é o das derrubadas típicas e já temos uma situação em que o desmatamento aumentou 51%, segundo dados do Inpe, o Instituto de Pesquisas Espaciais, que faz o monitoramento por satélite, no trimestre deste ano comparado ao trimestre de 2019. O sistema DT, que é o sistema de detecção do desmatamento em tempo real, faz um acompanhamento aproximado. E geralmente, quando termina a avaliação pelo sistema Prodes, que é um sistema de precisão e não apenas de alerta, esse número poderá ser bem maior que 51%. Portanto, nós já temos uma situação que aponta para um número de queimadas e derrubadas bem maior do que o do ano passado. 

E no ano passado já foi uma coisa terrível. Foram mais de 30 mil focos de calor, numa situação devastadora para a Amazônia. E agora, mesmo com o crescimento econômico completamente paralisado, o país em retração econômica, nós temos aumento do desmatamento em função das políticas desastrosas do governo Bolsonaro, que faz o tempo todo uma sinalização tanto em suas falas quanto nos projetos de lei que apresenta, que é conivente com os grileiros, com os que desmatam ilegalmente e que fazem extração de madeira e minério de forma irregular em terra pública e nas terras indígenas. 

Quais as consequências desse cenário para o Brasil?

Esse isolamento que o Brasil já vem sofrendo é fruto da ação deletéria do governo de desmontar a governança ambiental brasileira, de não respeitar os direitos das populações tradicionais, de promover medidas que têm aumentado o desmatamento da Amazônia. Nós já temos graves prejuízos sociais, ambientais e temos também prejuízos econômicos. O acordo da União Europeia com o Mercosul está suspenso em função das ações deletérias do governo. Agora mesmo, a União Europeia está debatendo como fazer novos investimentos com base já em critérios de sustentabilidade e uma das ações que serão tomadas é que não irão adquirir produtos que sejam oriundos de desmatamento e de agressão a povos tradicionais.
Uma rede de supermercados do Reino Unido já sinalizou que se for aprovada a lei que está tramitando no Congresso e que regulariza áreas que foram ocupadas de forma criminosa e que destruíram florestas, também não irão comprar mais os produtos brasileiros. Portanto, já é um prejuízo econômico, um prejuízo gravíssimo ambiental e um prejuízo social.

A senhora vinha alertando para o desmantelamento das regras ambientais. Quem está por trás disso? 

Em primeiro lugar, nós temos que responsabilizar diretamente o ministro. A sua falta de compromisso ético, a sua falta de compromisso institucional e a sua falta de compromisso com o legado da governança ambiental brasileira é que promove isso. Em segundo lugar, ele se comporta como um serviçal do que há de mais atrasado do agronegócio brasileiro. Porque a gente não pode generalizar, existem agronegócios no Brasil. Não é uma posição homogênea. Não são todos os que praticam os crimes que hoje estão fazendo com que o desmatamento aumente.   Não são todos os que concordam com o que o governo Bolsonaro e o ministro Salles estão fazendo. 

Então, ele tem uma postura que faz com que seja o primeiro ministro antiambientalista do Brasil e que atua o tempo todo com o desvio de função. Ele não cumpre com o preceito legal para o qual foi nomeado. Ele sabota a sua própria pasta, a sua própria atribuição legal. 

Por que essa ala do agronegócio que não compactua com o desmantelamento das regras ambientais não reage? 

Existe uma reação, ainda que tímida, no meu entendimento. Recentemente, uma parte não só do agronegócio, mas de empresas, soltaram uma carta envergonhada apoiando o ministro após a sociedade civil ter apresentado um documento criticando a postura que ele assumiu na reunião presidencial de forma covarde, querendo se aproveitar do sofrimento e das mortes do povo brasileiro para promover mais desregramento ambiental. Foi feito um documento, e algumas empresas que apareceram através de suas representações corporativas assinando este documento até pediram para retirar seus nomes. Eles têm uma estratégia de tentar ir mais pelo positivo, mostrando que estão fazendo correto, tentando incentivar o correto. Eu particularmente acho que deveria haver uma ação mais proativa, mas por uma questão de justiça, não podemos generalizar, sob pena de cometer injustiça com aqueles que estão se esforçando para fazer o certo. 

Seu partido pediu o impeachment do presidente Bolsonaro há duas semanas. Esse pedido foi feito junto a outros partidos políticos de esquerda, o PDT, PSB e o PV, principalmente. Uma semana depois, foi a vez do PT, junto com PSOL, PCdoB e outros partidos de esquerda. Até nisso a esquerda, como oposição, parece dividida. Por que esses dois pedidos foram feitos separadamente?  Chegou a conversar com a liderança do PT para apresentar um pedido juntos?  

Eu, diretamente, não. Mas os partidos, que foram os primeiros a apresentar pedidos de impeachment, estavam em diálogo. Esse campo PSB, PDT, PV e Rede é um bloco político. E o PSOL, PCdoB e PT atuam em outro campo político. 

O PT, refém da narrativa que criou de que o impeachment foi golpe, se recusava terminantemente a defender o impeachment [de Bolsonaro]. E só depois é que eles decidiram também entrar com um pedido de impeachment quando vazaram aquelas informações que o ministro Sérgio Moro denunciou

Então, os partidos Rede, PSB e PV já tinham firmado uma posição de que havia, sim, materialidade suficiente em termos de crime de responsabilidade para entrar com o pedido de impeachment. Esses partidos a que você se referiu ainda não tinham essa convicção e estavam agindo dessa forma porque queriam manter a mesma narrativa que tiveram em relação ao impeachment da Dilma, que não foi golpe. O impeachment da Dilma tinha também crime de responsabilidade em função do não cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal. Mas eles criaram essa narrativa e agora estavam numa situação delicada. O importante é criar uma convergência em termos da ação, da mobilização dentro do Congresso.

"Bolsonaro cometeu vários crimes de responsabilidade."

Bolsonaro cometeu vários crimes de responsabilidade. Comete crime quando ele tenta interferir no IBAMA e na Polícia Federal, para impedir que cumpram com suas atribuições. Comete crime de responsabilidade quando tem uma atitude de promover o caos em meio à pandemia em prejuízo da vida de milhares e milhares de brasileiros. Desincentivando o isolamento social, desorganizando as ações dos governadores e dos prefeitos. Tentando prescrever um remédio por decisão política, remédio que a própria OMS afirmou ser ineficaz para o tratamento do coronavírus. E comete crime de responsabilidade com aquela reunião fatídica, que claramente atenta contra a autonomia dos poderes da democracia brasileira. 

Neste momento, o governo do presidente Bolsonaro é o maior desestabilizador das ações de saúde, do enfrentamento do ponto de vista do socorro às vítimas que estão desempregadas e é um desestabilizador da própria ação política, que precisaria de unidade e não de alguém o tempo todo incentivando o estragamento institucional. 

O impeachment é a única saída?

Os crimes que praticou já estão praticados, já estão feitos. Ele o tempo todo reitera o seu desejo de cercear a liberdade de imprensa, de interferir na autonomia dos poderes, de desrespeitar a Constituição, de desorganizar a ação frente à pandemia. Neste momento, como eu disse, ele é um fator de prejuízos irreparáveis. O socorro às pessoas que estão em situação de penúria não está sendo a altura. Porque o isolamento social precisa ser financiado com a renda básica emergencial, com socorro às pequenas e médias empresas, como outros países estão fazendo. Mas como o governo é negacionista, não se importa com a pandemia, diz que na prática vai ter que contaminar mais de 70% e diz que não pode parar a economia. Sem considerar que não tem economia para funcionar com a saúde em colapso, com as pessoas adoecendo de uma forma assustadora, avassaladora.

O governo aposta em aprofundar a crise, quer ver o Brasil em convulsão social para justificar uma ação autoritária sobre a Constituição. E é por isso que ele precisa ser interditado. Interditado de acordo com a Constituição. Existe o pedido de impeachment. Existe o processo que está tramitando no Supremo, que está sendo relatado pelo ministro Celso de Mello, com denúncias, inclusive de crime de responsabilidade. 

A senhora acredita em um golpe vindo do presidente?

A sociedade brasileira amadureceu muito em termos das suas instituições, que têm resistido a essas crises. Agora, nós temos uma situação de um presidente que sabe que não tem competência técnica e nem compromisso político e ético para governar em uma democracia. E tensiona o tempo todo ao extremo para tentar criar uma situação que justifique uma ação autoritária. Mas as instituições não estão coniventes, em hipótese nenhuma, com qualquer tipo de ação como essa. E não há espaço na América Latina, e no mundo, para que um país como o Brasil vire uma Venezuela. Há uma união de diferentes espectros ideológicos na defesa da democracia, independentemente de rótulos de direita ou de esquerda.

Qual a responsabilidade do Congresso e de Rodrigo Maia para acatar os pedidos de impeachment?

O processo de impeachment tem três circunstâncias que são essenciais para que ocorra. Primeira, é estar em conformidade com a lei, haver um crime de responsabilidade. Em todos os casos em que tivemos impeachment, havia a materialidade do crime de responsabilidade. Uma outra questão é a admissibilidade dos pedidos de impeachment pelo presidente da Câmara que, nesse caso, é uma decisão monocrática. Se ele decidir não acolher, não terá como tramitar. Em terceiro lugar, é preciso que haja uma mobilização da sociedade porque, ainda que seja uma peça legal, é também um processo político.

Neste momento, se está trabalhando a mobilização da sociedade, até para que o Congresso se sinta respaldado pela sociedade, em termos políticos, para além do respaldo legal, que já tem. O presidente Rodrigo Maia tem uma responsabilidade muito grande em suas mãos de, não avaliando [o impeachment], correr o risco de estar dando cada vez mais fôlego para um governo que desorganiza a ação frente a uma pandemia, em relação à situação de dificuldade social que a população pobre e vulnerável está vivendo. E ainda permite que o governo fique o tempo todo, cada dia com uma ação contrária à democracia. Ele com certeza deve estar pesando tudo isso e a responsabilidade que está em suas mãos, com tantos os pedidos de impeachment com farta materialidade legal em relação ao crime de responsabilidade. 

O que explica o apoio sólido ao presidente por parte da população?

Esse é um fenômeno que tem que ser pensado à luz de um movimento que vem ocorrendo no mundo, e muito fortemente aqui na América Latina, cuja exemplos, talvez mais contundentes, sejam o Brasil e a Venezuela. Existe uma parte da população que subtrai a realidade, que isenta o líder de qualquer que seja o erro. E isso, infelizmente, acontece tanto com a extrema direita quanto com a esquerda. Quando se tem uma realidade política que mistura populismo, fundamentalismos políticos e até mesmo o fundamentalismo religioso, isso é uma ameaça muito grande ao funcionamento das instituições. Nós pudemos ver isso na Venezuela, vemos isso aqui no Brasil também, no caso do Petrolão, em que não importava o quanto se apresentassem provas materiais de que houve corrupção, dinheiro de caixa dois. Tem um grupo que não registra isso e apoia cegamente aqueles que elegeram como sendo os seus salvadores da pátria. 

"Aquela reunião de Bolsonaro é um atentado à República."

Neste caso, nós temos algo que é também essa visão extremada. Aquela reunião de Bolsonaro é um atentado à República. Ela é um atentado a qualquer convivência política civilizada. E é em si mesmo um crime de responsabilidade. Porque não estavam discutindo estratégias de como socorrer as pessoas que estavam doentes, de como fazer para que houvesse socorro para as empresas, para os vulneráveis. De como ter um alguma ação de transição para quando iniciar o processo de saída da pandemia. As pessoas estavam tramando contra a liberdade de imprensa, contra o Supremo, contra o Congresso, contra a proteção do meio ambiente, contra o índio, contra os quilombolas. E mesmo assim, alguns continuam aplaudindo. Isso é estarrecedor. A política, quando é sequestrada por fundamentalismos políticos, se transforma num perigo à própria saúde política, social e institucional do país.

Como a senhora vê o fundamentalismo religioso misturado com a política deste governo?

A participação de grupos religiosos na base do governo é majoritariamente evangélica, mas tem uma quantidade significativa de católicos. E o que eu tenho dito é que cada pessoa, independentemente de ser católica, de ser judeu, de ser evangélico, de ser espírita ou ateu, tem o direito ao exercício da sua cidadania. Ninguém deve ser cerceado em função do credo que tem ou do credo que não tem. Agora, o que não se pode fazer é nenhum tipo de fundamentalismo e nenhum tipo de instrumentalização da política pela religião e nem da religião pela política. 

O que me causa estranheza é a contradição com algumas práticas e enunciados desse governo com os valores do evangelho, não é? Discriminar pessoas, disseminar ódio, fake news, isso não tem nada a ver com os valores do evangelho. Então, alguma coisa está errada. Ter ambições de um Estado teocrático, isso não tem nada a ver com a reforma protestante. Não vamos nos esquecer de que a separação da igreja e do Estado foi promovida graças à Reforma Protestante. Este é um legado que a comunidade evangélica traz, a partir do qual houve a separação da igreja e do Estado, passamos a ter hospitais que não eram de igreja, passamos a ter escolas e universidades que não eram de igreja. E isso se constituiu em algo que passou a ser bom, na figura do Estado laico, para todos. Para protestantes, para católicos, ateus, para judeus, para espíritas e para outros credos, inclusive as religiões de matriz africana. 

O estado laico não é um Estado ateu. O estado laico é o que permite que todos nós possamos ter a crença que quisermos, ou não termos crença, e termos direitos iguais perante o estado. Qualquer ação que tenta transpor modelos teocráticos para a realidade das democracias ocidentais, no caso do Brasil, está na contramão da nossa Constituição e na contramão do próprio evangelho, que faz claramente essa separação. 

Existe a possibilidade de união entre a Rede e candidatos do PT ou outro tipo de aliança para as eleições municipais?

Nós estamos fazendo um debate, Rede, PV, PDT e PSB. E a grande dificuldade com PT é que ele não é capaz de fazer autocrítica dos erros que cometeu. Eu costumo dizer que quando não se faz autocrítica dos graves erros que, inclusive, também foram praticados pelo PSDB e que agora tem como resultado o Bolsonaro, é uma demonstração de que: se não reconhece os erros é porque estão dispostos a continuar a fazer as mesmas coisas. Fora do guarda-chuva geral, da hegemonia petista, existem pessoas que têm uma postura que não tem nada a ver com os erros graves, éticos, que foram cometidos pela cúpula do Partido dos Trabalhadores. E há uma sensibilidade de diálogo com esses, que inclusive, têm uma visão crítica do que foi feito de errado.

A Rede é um partido programático, mas nós não queremos ir para a estratégia de que os fins justificam os meios. Nós queremos que os meios sejam compatíveis com os fins. E é por isso que temos priorizado o diálogo com o PSD, PDT, o Partido Verde e agora estamos também com o Cidadania, ampliando cada vez mais essa ação. 

No plano nacional, todos esperamos que o PT faça um gesto, que faça uma autocrítica, para que não se tenha dois pesos e duas medidas. Quando é o erro de um lado se aponta com o dedo em riste, quando é um erro praticado por aqueles que se sentem sacralizados no manto de esquerda fica-se calado. Isso não é bom para a democracia, não é bom para um projeto de país. Projeto de país não é um projeto de poder. Aliás, boa parte do que nós estamos sofrendo é porque PT, PSDB e PMDB optaram pelo projeto de poder em prejuízo do projeto de país. 

"A eleição de 2014 foi uma fraude, porque o PT não permitiu a alternância de poder." 

A eleição de 2014 foi uma fraude, porque o PT não permitiu a alternância de poder. Usou o dinheiro da corrupção, inventou uma tecnologia de fake news. Eu fui vítima dessas fake news, elas estão aí farta e comprovadamente em peças publicitárias criminosas a peso de ouro, com o dinheiro roubado do Banco do Brasil, de Belo Monte, dos fundos de pensão, do BNDES, da Petrobras. Aquela eleição, se fosse em um processo normal, sem as fake news, sem o dinheiro da corrupção, poderia ter tido outro resultado.

As eleições de 2018 foram as eleições em que as pessoas não estavam votando em um projeto. Não era porque tinham esperança. Uns porque tinham raiva, outros porque tinham medo, outros porque queriam se vingar. Um país não se constrói quando a gente não decide o nosso voto em função do que a gente acredita, do que a gente quer ver para a geração do presente e a geração do futuro. E é isso que precisa ser um aprendizado para todos nós. Dizem que sábios são os que aprendem com os erros dos outros. Porém estúpidos são os que não aprendem nem com os seus próprios erros. Nesse momento em que ele o tempo todo estressa a democracia, aposta em uma justificativa para o modelo autoritário de governo, não devemos subestimá-lo novamente.

A esperança que se colocou em um projeto que fosse socialmente justo, politicamente democrático e institucionalmente ético foi muito grande. E a decepção das pessoas faz com que elas levem a uma descrença, até porque quando você coloca um investimento muito grande, como se alguém pudesse ser um salvador da pátria, a desilusão é proporcional.

É por isso que desde 2010 eu dizia: “Por favor, não vamos infantilizar a sociedade brasileira”. Não é correto você fazer promessas mentirosas para iludir o povo. E talvez por isso tenha perdido mesmo. Porque enquanto alguns diziam que nós estávamos indo para o paraíso, com uma nova classe média que estava indo para o mundo do consumo, e não para o mundo de mais cultura, mais educação, mais vida de qualidade, eu dizia que aquilo não era possível, porque os dados da economia não davam suporte. Mas a campanha foi ganha em cima dessa falsa promessa. A Hannah Arendt diz que uma promessa precisa ter credibilidade. E quando você faz uma promessa que não tem sustentação, você infantiliza as pessoas, porque uma boa parte quer se iludir. Mesmo quando a realidade nua e crua está na sua frente, mostrando os fatos, você ainda quer transferir para alguém a sua própria salvação.

A política tem de deixar de ser o espaço de vender ilusão, para construir soluções. O que nos trouxe até aqui é que ninguém mais discute projeto de país. Era só projeto de poder. Ninguém mais tinha compromisso em discutir os rumos da nação. Era uma métrica para ganhar a eleição, se juntando – como dizemos no norte –  alhos com bugalhos. Onde já se viu ser dito de esquerda e estar junto com Renan, estar junto com Maluf, estar junto com Collor, estar junto com Sarney? É isso que cria uma situação de muita dificuldade na cabeça das pessoas.

"Eu não posso tratar o meu concorrente político como se fosse um inimigo." 

Eu espero que a gente consiga ter um espaço de escuta, de ressignificação dessas experiências dolorosas. Nenhum de nós é dono da verdade. Eu não posso tratar o meu concorrente político como se fosse um inimigo a ser eliminado. Eu posso ser derrotada em uma eleição. E eu sempre dizia isso: “Eu prefiro perder ganhando do que ganhar perdendo”. A gente perde ganhando quando mantém a coerência, mantém a dignidade, mantém os princípios e valores. 

Se eu sou democrata, não posso ser conivente com um Maduro. Se eu sou democrata e defendo os direitos humanos, onde eles estiverem sendo violados, independentemente dos alinhamentos ideológicos, eu tenho de pagar o preço para ser coerente com princípios e valores. No caso do Bolsonaro, ele claramente colocou as ideias anti republicanas, anti direitos humanos, antidemocracia, ao longo de seus 30 anos de vida pública. Bolsonaro só sabe governar se for para uma plateia que aplaude qualquer coisa que ele fizer. Em uma democracia, a gente é livre para criticar de acordo com a realidade e os fatos que a gente vê. 

A senhora pensa numa candidatura à presidência?

Neste momento eu tenho advogado que nós temos que não entrar nesse debate de candidatura. Eu já fui candidata por três vezes, em condições bastante adversas em relação aos meus concorrentes. Sei que dei uma contribuição para o debate, continuo fazendo isso até hoje, no pequeno partido que ajudei a criar, o Rede Sustentabilidade. E estou disposta ao debate, nos termos que acabei de falar, com aqueles que defendem a democracia, defendem a justiça social e a sustentabilidade ambiental. Nós precisaremos fazer com que esse critério  - economia, ecologia, justiça social - caminhem juntos. Esse é o objetivo que eu tenho. 

Eu gosto muito da ideia de que quanto mais estrelas no céu, mais claro é o caminho. Eu sou filha de seringueiros e a gente não podia praticar a agricultura, que era proibida pelos patrões, a gente tinha que depender de comprar das casas aviadoras, que era um regime de semiescravidão. Mas a gente sempre podia colocar uma pequena roça de subsistência. E eu lembro da minha mãe coletando as melhores espigas de milho, para tirar as melhores sementes, para fazer o plantio do próximo ano. Quando a gente tem uma boa terra e uma boa semente, a gente vai ver qual é a melhor semente a ser lançada. É com esse espírito que eu estou participando desse debate com Ciro Gomes, com Roberto Freire, com lideranças do campo democrático, na defesa da vida, em primeiro lugar, da dignidade humana e da democracia.

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