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Honduras vai na onda de Bukele enquanto busca saídas para segurança

GIRO LATINO

Mesmo sem controle absoluto do Estado como seu vizinho em El Salvador, presidenta Xiomara Castro investe em políticas extremas de segurança pública e já sonha com ‘prisão exclusiva’ para gangues

22 de jul. de 237 min de leitura
22 de jul. de 237 min de leitura

Na quarta-feira (19), após quase um mês, o governo hondurenho anunciou o fim do toque de recolher que havia sido imposto em duas das cidades mais violentas do país, celebrando o sucesso das medidas tomadas para conter o avanço da criminalidade. Em San Pedro Sula e Choloma, a hora limite para circular nas ruas foi estabelecida em 25/6 após um massacre de 13 pessoas em uma localidade vizinha. Além das restrições de horário, o governo também enviou 500 efetivos da Polícia Nacional para reforçar a segurança. No auge das medidas, a gestão da presidenta Xiomara Castro reportou uma queda “histórica” de 83% nos homicídios registrados nas duas cidades afetadas, embora o número final tenha ficado em 74%, de acordo com os dados divulgados nesta semana.

As medidas foram apenas temporárias, mas trouxeram uma comparação inevitável com o que ocorre no vizinho El Salvador, cuja política radical de segurança pública vem se tornando cada vez mais influente sobre a América Central e despertando uma atenção crescente no resto do continente: por lá, o governo de Nayib Bukele convive com um “eterno” estado de exceção desde março do ano passado, renovado mês a mês por um Congresso inteiramente alinhado ao presidente – o que também garantiu a composição de um Supremo que jamais questiona os ditames do Executivo. 

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Como em Honduras agora, as medidas extremas contra a criminalidade em solo salvadorenho há mais de um ano também foram adotadas após dias particularmente violentos até para os exagerados padrões locais (87 homicídios em um intervalo de três dias), com a diferença de que não tiveram fim: até meados de julho de 2023, já eram contabilizadas 71.479 pessoas presas, a grande maioria sob acusação – muitas vezes arbitrária – de envolvimento com as violentas gangues que atuam no país, a Barrio 18 e a Mara Salvatrucha (MS-13). Em El Salvador, o estado de exceção foi renovado outra vez neste mês, e permanecerá pelo menos até o próximo dia 14/8.

Para muitos observadores, pelas similaridades geográficas e históricas, Honduras hoje é o país centro-americano que mais vem flertando com uma política semelhante à de Bukele. Os motivos se acumulam: além de uma violência urbana endêmica que sempre colocou os hondurenhos em uma situação de relativa paridade com os vizinhos, os últimos tempos têm vivenciado uma piora na sensação de insegurança – especialmente pelo que ocorre dentro dos presídios. Em junho, um massacre de 46 detentas em uma penitenciária feminina, no que o governo atribuiu a um conflito de gangues com a conivência de agentes penitenciários, fez com que o sistema prisional do país fosse colocado (outra vez) sob intervenção militar. A medida foi praticamente simultânea ao toque de recolher imposto em Choloma e San Pedro Sula, por uma chacina diferente, mas que poderiam ter a mesma raiz: as temidas pandillas

Em junho, uma chacina deixou 46 mulheres mortas no Centro Feminino de Adaptação Social, em Tegucigalpa. Foto: CIDH via Flickr
Em junho, uma chacina deixou 46 mulheres mortas no Centro Feminino de Adaptação Social, em Tegucigalpa. Foto: CIDH via Flickr

Para especialistas, a principal diferença entre o que ocorre em El Salvador e Honduras é, até aqui, a duração: do lado hondurenho, medidas excepcionais ainda têm sido “temporárias”, ainda que cada vez mais frequentes, também pelo fato de que Xiomara não conta com a mesma maioria avassaladora de Bukele nos outros poderes do Estado. Em janeiro, já em uma tentativa de afastar as cada vez mais inevitáveis comparações, o então diretor da Polícia Nacional, Gustavo Sánchez, disse que a “bem-sucedida” agenda contra o crime de seu país – supostamente distante da efusividade salvadorenha – não era medida “pelo número de prisões, mas, sim, pela redução das mortes”. Em junho, Sánchez foi promovido a ministro de Segurança.

No entanto, a inspiração é nítida. Eleita com uma plataforma à esquerda, o governo Castro já emula os traços mais característicos de líderes de direita no quesito segurança pública, publicando nas redes imagens de prisões de supostos pandilleros e celebrando “vitórias” contra o crime (nada que tenha o apelo midiático de Bukele, que chega a zombar da imagem de criminosos presos – mas, ainda assim, algo que vai pelo mesmo caminho).

Logo mais, é possível que haja uma faceta física da “bukelização” em Honduras, pois o governo já planeja a construção de uma prisão exclusiva para membros de gangues no arquipélago desabitado das Islas del Cisne, situado a 250 km da costa. A ilha-prisão teria capacidade para 2 mil pessoas. Uma penitenciária inteiramente dedicada a criminosos vinculados a organizações desse tipo já é realidade, evidentemente, em El Salvador, que no final de janeiro inaugurou a autointitulada “maior prisão das Américas”: o sugestivamente nomeado Centro de Confinamento do Terrorismo, ou Cecot, com capacidade divulgada para receber até 40 mil detentos.

Se ninguém questiona que as medidas de Bukele efetivamente melhoraram os índices (e a sensação) de segurança no país, a dimensão dessa melhora e os métodos para atingi-la continuam sendo alvo de acalorados debates. O jornal investigativo El Faro, por exemplo, acusa Bukele de só ter iniciado a guerra às gangues após o rompimento de um pacto secreto pela redução da criminalidade (exatamente o tipo de acordo que o mandatário atribuía a governos anteriores). Héctor Manuel Zelaya Castro, filho e secretário da presidenta hondurenha, se reuniu em junho com Carlos Marroquín, apontado como um dos mediadores do governo Bukele. Já José Manuel Zelaya Rosales, sobrinho de Castro, é o atual ministro da Defesa. 

Outras entidades questionam até mesmo se a redução de homicídios celebrada pelo governo salvadorenho é tão grande assim – isso porque, enquanto o número de mortes desse tipo despencou, aumentou drasticamente a quantidade de pessoas consideradas “desaparecidas” pelas autoridades, sugerindo um possível falseamento das estatísticas oficiais. Tudo marinado em um caldo de sistemáticas violações de direitos humanos, milhares de pessoas mantidas em cárcere sem o devido processo legal para verificar se de fato têm algum envolvimento com as pandillas e uma criminalização da oposição, rotineiramente acusada de colaborar com as gangues.

Em uma região historicamente dominada por grupos criminosos transnacionais e com a vida cotidiana afetada pela violência, porém, essas preocupações encontram pouco eco. E a conversão de El Salvador num “Bukelistão” vem rendendo frutos para seu líder, que além de tudo é um exímio propagandista de si mesmo nas redes sociais (uma estratégia que passou, inclusive, pela adoção do bitcoin como moeda legal). Mesmo sob críticas ruidosas, Bukele segue popularíssimo e com caminho aberto para uma reeleição que juristas consideram inconstitucional, mas ninguém parece capaz de impedir no atual cenário político do país. Em Honduras e outros vizinhos da América Central, os governos tomam nota, imitam-no cada vez mais e sonham, quem sabe, em agarrar o poder com a mesma força do salvadorenho. 

CAPA: Visita da Comissão Interamericana de Direitos Humanos no sistema penitenciário de Honduras, em abril. Foto: CIDH via Flickr

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