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Ex-premiê haitiano é banido da vizinha República Dominicana

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Medida do governo dominicano contra Claude Joseph é acirra tensões com país vizinho

12 de fev. de 236 min de leitura
12 de fev. de 236 min de leitura

Publicado na edição de 10/09/2022

Há pouco mais de um ano, ainda no cargo de primeiro-ministro, Claude Joseph esteve diante da perspectiva de ser o homem mais poderoso do Haiti e o responsável por guiar o país na turbulenta crise que veio após o assassinato do presidente Jovenel Moïse em julho de 2021 (entenda aqui a crise sucessória que levou à disputa entre Joseph e o agora premiê Ariel Henry, que acabou ficando com o poder). Mas os planos do outrora líder não foram adiante. Para piorar, nesta quarta-feira (7), já relegado a uma posição secundária, o ex-premiê e potencial presidenciável Claude Joseph voltou às manchetes por entrar novamente de cabeça na crise geopolítica entre seu país e a vizinha República Dominicana: ele acaba de ser banido do outro lado da ilha de Hispaniola, por decisão expressa do governo em Santo Domingo.

A decisão surpreendente foi assinada pelo próprio presidente dominicano Luis Abinader, que tem a prerrogativa de impedir a entrada em seu país de pessoas que tenham sido condenadas por algum crime ou, então, sejam consideradas uma ameaça à segurança nacional. Sem um estopim claro, a medida parece vir como retaliação aos meses de relações conturbadas entre o poder em Santo Domingo e a figura de Claude Joseph: no final do ano passado, quando ainda era ministro de Relações Exteriores do “vitorioso” da queda de braço Ariel Henry, Joseph respondeu às reiteradas preocupações dos vizinhos em relação à crise de seu país, insinuando que a República Dominicana tampouco seria uma nação segura. Foi justamente esse incidente que acabou lhe custando o cargo.

Abinader converteu em bandeira política a construção de um muro para dificultar a entrada de haitianos em seu território

O banimento agrava ainda mais as tensões entre os dois países que dividem a ilha de Hispaniola, rusgas intensificadas desde que Abinader assumiu o poder em 2020. Com a crise social, política e econômica piorando diariamente no Haiti, o influxo de imigrantes tentando cruzar a porosa divisa só aumentou nos últimos dois anos, em que a pandemia e a carestia causada pela guerra na Ucrânia se somaram aos problemas que já existiam antes. Como resposta, além de um aumento em incidentes racistas e xenofóbicos do lado dominicano da fronteira, Abinader converteu em bandeira política a construção de um muro para dificultar a entrada de haitianos em seu território – obra que se iniciou ainda em maio de 2021, mas ganhou velocidade neste ano e já tem seleção de empreiteiras para a continuação dos trabalhos no futuro próximo. Na ONU, o presidente do lado leste da porção de terra que abriga as duas nações já afirmou no ano passado que “não haverá solução dominicana para a crise haitiana”, exigindo que a comunidade internacional se envolva em vez de apenas apontar dedos para o vizinho menos pobre que não parece disposto a ajudar mais.

Tão logo a medida desta semana foi anunciada nas redes, Joseph veio a público dizendo que seu banimento o colocava como “inimigo número um dos racistas dominicanos”. E ergueu a voz: “isso não é uma sanção. É uma honra. Eu a recebo em nome dos pais fundadores [Jean-Jacques] Dessalines, Toussaint [Louverture] e [Henri] Christophe”, fazendo referência aos próceres da Revolução Haitiana (1791-1804), movimento que ficou conhecida no mundo como a primeira revolta de escravizados (e negros libertos) bem-sucedida da era moderna. 

Dentro das prisões do país, a fome também deixa um rastro de centenas de mortes.

A referência ao racismo como marco nas relações bilaterais também encontra ecos nos conflitos do presente e na violência do passado não tão distante: durante a longa ditadura do dominicano Rafael Leónidas Trujillo (1930-1961), a zona de fronteira entre os países ficou marcada pelo infame “Massacre do Perejil”, quando cerca de 20 mil haitianos acabaram mortos por soldados a mando da nação vizinha. O curioso nome do trágico episódio tem a ver com a estratégia utilizada para separar os negros haitianos daqueles nascidos na República Dominicana: mostrar um ramo de salsinha (perejil) e pedir que falassem seu nome em espanhol – algo particularmente difícil para quem crescera com o créole, uma das línguas oficiais do Haiti.

Além das relações bilaterais que atingem seu pior ponto em décadas, o Haiti segue acumulando problemas próprios. A violência só cresce. Áreas inteiras das grandes cidades estão nas mãos de gangues e, sem qualquer presença efetiva do Estado, pessoas têm sido mortas ou obrigadas a deixar suas casas em meio ao fogo cruzado. Em alguns bairros, a situação já tem ares de guerra civil. Dentro das prisões do país, além dos conflitos, a fome também deixa um rastro de centenas de mortes. Não à toa, as últimas semanas têm sido marcadas por protestos diários que se intensificaram com o aumento do custo de vida e a escassez de combustíveis ao longo de 2022. 

A raiva, cada vez mais, está centralizada na figura de Ariel Henry. A tal ponto que o atual premiê, acostumado a fugir dos questionamentos sempre que pode, viu-se obrigado a quebrar o silêncio na terça-feira (6): o governante reconheceu a gravidade da situação, prometeu políticas para mitigar o impacto dos preços entre cidadãos mais vulneráveis, deu recado a centrais sindicais e atribuiu (sem provas) parte da instabilidade ao que chamou de “manipulações políticas”. De Henry, porém, nada sobre as eleições que deveriam ser convocadas após o assassinato do presidente Jovenel Moïse, há mais de um ano – crime do qual o próprio primeiro-ministro é acusado de ter participado, tendo supostamente agido desde então para barrar qualquer investigação que se aproxima de seu nome. 

Quando (ou se) as tais eleições finalmente chegarem, Claude Joseph já deixou claro que pretende ser candidato, mesmo que agora sequer consiga pisar no país ao lado, com quem o Haiti tem uma conexão umbilical.

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