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Evandro Teixeira: "Eu tive sorte"

Um dos maiores fotojornalistas brasileiros relembra sua passagem por Santiago após o golpe de estado de 1973, que completa 30 anos no próximo dia 11 de setembro

Gaía Passarelli , da Headline | São Paulo
#FOTOGRAFIA9 de set. de 235 min de leitura
Prisioneiros políticos no Estádio Nacional, em Santiago, 1973. Foto: Evandro Teixeira/Acervo IMS
Gaía Passarelli , da Headline | São Paulo9 de set. de 235 min de leitura

 

"No dia que estourou o golpe militar no Chile, eu tive sorte do Jornal do Brasil decidir me mandar. Digo sorte porque eu não era o único fotógrafo, o jornal tinha muitos fotojornalistas muito bons. Fomos, eu e o repórter, para a Argentina, mas o Chile tinha fechado o espaço aéreo. Só conseguimos entrar no Chile dez dias depois do golpe, em um avião da Cruz Vermelha. Uma vez em Santiago, ficamos no melhor hotel da cidade, em frente ao Palácio La Moneda, que estava cheio de jornalistas dos melhores órgãos de imprensa do mundo. E aí começamos a fazer a cobertura na rua, sempre lembrando do toque de recolher às 18h — quem estivesse na rua, era fuzilado."

Aos 87 anos, Evandro Teixeira, baiano de Irajuba, que faz aniversário no dia de Natal, tem uma memória afiada com muitas histórias para contar. Nas suas quase sete décadas de atividade, fez de seu nome um sinônimo do fotojornalismo brasileiro.

Evandro Teixeira registrou as movimentações militares de 1964, as passeatas estudantis de 1968, marchas de trabalhadores, as visitas da Rainha Elizabeth II e do Papa João Paulo II, além de revoltas, de festas populares, eventos esportivos e figurões políticos. Seu acervo monumental está desde 2019 sob a tutela do Instituto Moreira Salles e atualmente pode ser visto, em partes, na mostra “Evandro Teixeira, Chile, 1973”, no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro.

As imagens, que já passaram por São Paulo, têm como foco a passagem de Teixeira pela capital chilena após o golpe militar que derrubou o então presidente eleito Salvador Allende. O fotojornalista foi a Santiago como correspondente do Jornal do Brasil, publicação onde trabalhou por mais de 40 anos, junto do repórter Paulo Cesar de Araújo. Ambos se viram retidos, junto de dezenas de outros correspondentes internacionais, na fronteira da Argentina com o Chile, fechada deliberadamente pela junta militar chilena. Eles chegaram a Santiago em 21 de setembro de 1973.

São imagens impactantes, em preto e branco, do Palácio La Moneda bombardeado por militares e de prisioneiros políticos dentro do Estádio Nacional, palco de uma das maiores tragédias do período. 

“Eles estavam lá mostrando como estava tudo em ordem e eu só pensando ‘que filhas da puta’. Mas fiquei lá, fiz as fotos do gramado, tentando achar um jeito de encontrar o porão. Era uma loucura, mas eu queria me aventurar. Aí, circulando por um corredor, não deu outra: achei a entrada da descida para o porão. E pensei é agora ou nunca, seja o que Deus quiser, eu sempre tive muita fé.  Cheguei lá e fiz meia dúzia de cliques, dos estudantes atrás das grades, do paredão. Esses foram todos mortos. E voltei em tempo, sem ser descoberto.”

Prisioneiros no porão do Estádio Nacional de Santiago, 1973
Prisioneiros no porão do Estádio Nacional, em Santiago, 1973. Foto: Evandro Teixeira/acervo IMS

O senso de oportunidade de Teixeira o colocou na posição de ser o único fotojornalista do mundo a registrar o corpo do poeta Pablo Neruda logo após sua morte, com permissão da viúva Matilde Urrutia. As imagens emocionantes que fez do velório, cortejo e enterro do celebrado poeta chileno, que era apoiador de Allende, se tornaram documentos significativos do momento vivido na América Latina. 

“Só que ninguém sabia onde ele estava. Aos poucos, foi chegando a notícia de que o Neruda estava doente em um hospital. E um conhecido me sugeriu ir ao hospital na manhã seguinte, falar com o diretor. Eu fui lá com a câmera debaixo do braço, meio escondida, para não chamar a atenção. O diretor me recebeu muitíssimo bem, mas disse que infelizmente não podia me deixar ver o Neruda ou falar com a Dona Matilde. Acabou me pedindo para ir embora e para ligar de volta as dez da noite para me dar um novo boletim. E foi o que fiz. Ele disse: lamentavelmente, Pablo Neruda faleceu hoje. No dia seguinte acordei e fui para a frente do hospital, e estavam lá os milicos impedindo o aceso. Mas eu consegui entrar por um pequeno portão, sem ninguém me ver. E lá dentro, encontrei a Dona Matilde, em uma pequena sala. Eu me apresentei e ela me disse: meu filho, sua presença aqui é muito importante, fique conosco. Foi ela que me autorizou a fazer a foto do corpo do Neruda. Isso foi um minuto antes de fecharem o caixão, se eu tivesse chegado um minuto depois não teria feito.”

Corpo do poeta chileno Pablo Neruda no necrotério do hospital em Santiago.
Corpo do poeta chileno Pablo Neruda no necrotério do hospital, em Santiago, 1973. Foto: Evandro Teixeira/Acervo IMS

 Além dos registros chilenos, a mostra contextualiza a importância da produção de Teixeira no período, com fotos feitas principalmente nas ruas do Rio de Janeiro durante a ditadura militar brasileira, além de trechos de dois documentários do período: “Setembro Chileno”, de Bruno Moet, e “Brasil, Relato de Uma Tortura”, de Haskell Wexler e Saul Landau.

A mostra “Evandro Teixeira, Chile, 1973” no CCBB do Rio de Janeiro é gratuita e fica em cartaz até 13/11.

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