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Estudo mostra como as riquezas da Amazônia são saqueadas em outros países

Francisco Amorim, da Headline | Porto Alegre

"Amazônia saqueada: as raízes do crime ambiental em cinco países amazônicos" investiga as causas do desmatamento que circunscrevem 20% da Bacia Amazônica

25 de nov. de 226 min de leitura
25 de nov. de 226 min de leitura

Entre pistas e estradas clandestinas abertas no coração da mata, pequenos monomotores e agigantados treminhões transportam toras, ouro e animais silvestres. No rastro dos mercados ilícitos na Bacia Amazônica, intimidações, cerceamentos e mortes. Violência que não reconhece fronteiras legais ou autoridades nacionais dos países que circunscrevem a maior floresta tropical do planeta.

O potencial destrutivo desses mercados é conhecido por pesquisadores e ambientalistas há décadas, mas recentemente uma abrangente publicação que integra uma série de estudos desenvolvidos pelo Instituto Igarapé e pela InSight Crime reuniu dados sobre delitos ambientais em cinco dos nove países da bacia — Bolívia, Venezuela, Equador, Guiana e Suriname.

Intitulado "Amazônia saqueada: as raízes do crime ambiental em cinco países amazônicos", o estudo aborda a situação em 20% da Bacia Amazônica, terras circunscritas a esses cinco países, onde houve a perda coletiva de 10 milhões de hectares de floresta na última década - um hectare equivale quase a um campo oficial de futebol -, área onde 91 comunidades indígenas lutam para sobreviver.

Jawaruwa Waiapi e sua família caminham em meio a neblina, no início da manhã, na aldeia Manilha, na reserva indígena Waiapi, no estado do Amapá, em 13 de outubro de 2017. O cacique Tzako Waiapi lembra perfeitamente o dia quase meio século atrás, quando seu grupo de caça tropeçou em um grupo de aventureiros brancos na floresta amazônica. Em poucos meses, quase todos em toda a sua tribo morreram de doenças. Foto: Apu Gomes/AFP
Jawaruwa Waiapi e sua família caminham em meio a neblina na aldeia Manilha, na reserva indígena Waiapi, no estado do Amapá, em 13 de outubro de 2017. O cacique Tzako Waiapi lembra perfeitamente o dia, quase meio século atrás, quando seu grupo de caça tropeçou em um grupo de aventureiros brancos na floresta. Em poucos meses, quase todos de sua tribo morreram de doenças. Uma realidade comum em outros países da Bacia Amazônica Foto: Apu Gomes/AFP

O estudo com cerca de 80 páginas se concentra em quatro dimensões das ações criminosas que impactam flora, fauna e a vida do povo: desmatamento, mineração de ouro, tráfico de animais silvestres e a corrupção. Os dados abrangem anos de ineficiência dos Estados no combate às prática ilegais — e, em alguns casos, certa anuência. Headline resume dados extraídos da publicação que permitem compreender como essa parte da Amazônia é devastada. Eles mostram as semelhanças com o Brasil, que não foi objetivo do estudo.

Desmatamento não respeita fronteiras

A Bacia Amazônica é coberta por quase oito milhões de quilômetros quadrados de floresta tropical. Ao mesmo tempo que impressiona, a grande extensão de mata — o equivalente a todo o território brasileiro — revela a maior fragilidade.

Arte: Headline

Analisando dados da Global Forest Watch, o estudo aponta que a Bolívia registrou os níveis mais altos de desmatamento entre as cinco nações. "Entre 2001 e 2021, o país perdeu mais de 6 milhões de hectares de floresta", aponta. "A taxa representa uma diminuição de 10% na cobertura florestal total desde o início do milênio". As causas para a derrubada de árvores se assemelham entre os países.

Em 2000, a pecuária e a agricultura ocupavam 800 mil quilômetros quadrados da região, índice que aumentou 81,5%, apontam os pesquisadores. Soja, carne bovina e óleo de palma impulsionaram o desmatamento para atender a demanda da Europa e Ásia. Mercados internacionais consumidores de madeira também estão por trás do desmatamento ilegal. Bolívia e Equador abrigam alguns dos principais focos de tráfico de madeira na Bacia Amazônica.

O mesmo ocorre por conta do narcotráfico. Segundo o estudo, "enquanto nas regiões amazônicas do Equador e da Venezuela é possível observar o aparecimento esporádico de plantações de coca em pequena escala, a maior parte da matéria-prima da cocaína é encontrada na Colômbia, no Peru e na Bolívia".

Vista aérea de toras de madeira apreendidas pela Polícia Militar da Amazônia, no Rio Manacapuru em Manacupuru, no Estado do Amazonas, em 16 de julho de 2020. Foto: Ricardo Oliveira/AFP
Toras de madeira apreendidas pela Polícia Militar do Amazonas no Rio Manacapuru, na cidade homônima, em 16 de julho de 2020. Foto: Ricardo Oliveira/AFP

A publicação indicou os atores que impulsionam o desmatamento: geralmente eles estão "envolvidos em atividades agrícolas, no tráfico de madeira e no cultivo de coca". Eles aliam atores legais, organizações criminosas, grupos armados não estatais e mão de obra barata.

Impactos da mineração [i]legal de ouro

A mineração ilegal tornou-se um dos principais motores do desmatamento, sobretudo na Venezuela, na Guiana e no Suriname, indica o estudo. Dados recentes mostram que há pelo menos 4.472 locais de mineração ilegal em toda a região.

No Suriname, os comerciantes de ouro chineses enviam grande parte do produto que compram para a China. Recentemente, um relatório da WWF revelou um esquema no país asiático em que exportadores faziam acordos com joalheiros e comerciantes de ouro em Dubai, na Europa e nos Estados Unidos.

Já na Venezuela, os grupos armados controlariam os locais de mineração e as rotas de ouro. Parte deles também migraram para a mineração ilegal na Guiana.

Esteira usada para reter o ouro extraído dos barrancos cavados no coração da maior reserva indígena do Brasil, a dos Ianomami, as margens do Rio Mucajaí, em Roraima, em 31 de julho de 2019. Foto: Daniel Marenco/HDLN
Esteira usada para reter o ouro extraído dos barrancos cavados no coração da maior reserva indígena do Brasil, dos Ianomami, nas margens do Rio Mucajaí, em Roraima, em 31 de julho de 2019. Foto: Daniel Marenco/HDLN

O tráfico de animais silvestres

Os cinco países estão entre os de maior diversidade no planeta e entre os que mais colocam fauna e flora em risco. A região se tornou alvo de redes internacionais de tráfico de animais silvestres.

As aves são um dos alvos histórico: papagaios, araras e pássaros canoros — que cantam — são as mais traficados. O estudo indica que, nos mercados legal e ilegal, os preços das araras variam conforme a cor dos animais: nas operações legais, as araras verdes são vendidas por um valor que varia entre 200 e 250 dólares, algo entre R$ 1,1 mil e R$ 1,3 mil; araras azuis variam entre 275 e 300 dólares — 1.500 e 1.600 reais — e araras vermelhas, 400 dólares, cerca de R$ 2,1 mil. Nem répteis, incluindo iguanas verdes e cobras, escapam e são visados para o comércio de animais de estimação.

As redes de tráfico de animais silvestres contam com pecuaristas, mineiros, madeireiros e agricultores. "Eles agem de forma oportunista, sem um comprador formal alinhado, sabendo que sempre poderão vender os animais com a demanda de mercado", registra o trabalho.

Por fim, os pesquisadores colocam a corrupção como prática que "azeita as engrenagens" do crime ambiental em todos os cinco países analisados. A publicação, no entanto, limita-se a referenciar o argumento apenas com a menção de casos recentes de associação de autoridades com grupos criminosos, informação geralmente vinda de jornalistas e ativistas.

Na situação mais crítica, o Instituto Igarapé e a InSight Crime destacam a Venezuela, onde a corrupção nos altos escalões do Estado e do governo facilitaria o comércio de ouro.

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