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Esquerda latina compra briga com Israel por massacre em Gaza

GIRO LATINO

Presidentes de Bolívia, Colômbia, Chile e Cuba criticam violações contra civis palestinos na Faixa de Gaza e esfriam laços diplomáticos com as representações israelenses em solo latino-americano

2 de nov. de 236 min de leitura
2 de nov. de 236 min de leitura

Durante uma coletiva de imprensa convocada na noite de terça-feira (31), o governo boliviano anunciou por meio de representantes da Presidência e do Ministério de Relações Exteriores o que, até o momento, consiste na decisão latino-americana mais enfática em âmbito diplomático a respeito da hostilidade contra civis palestinos: o rompimento unilateral de relações diplomáticas com Israel. Citando “violações de direitos humanos” cometidos pelos israelenses contra cidadãos em Gaza, representantes do poder em La Paz justificaram a decisão dizendo se tratar de uma “posição de princípio de respeito pela vida”. Israel, por sua vez, respondeu à decisão dizendo que a Bolívia está “rendendo-se ao terrorismo e ao regime dos aiatolás no Irã”, além de “se alinhar aos terroristas do Grupo Hamas”. 

No mesmo anúncio, o governo confirmou o envio de ajuda humanitária aos civis atingidos pelos bombardeios, seguindo um gesto que tem se repetido entre outros governos latino-americanos desde a escalada do conflito no início do mês, desatada por ataques armados do Hamas – mas que gerou uma resposta ainda mais brutal por parte de Israel, com estimativas de mais de 8 mil civis palestinos mortos até agora, em sua maioria mulheres e crianças, segundo informes oficiais. Durante a semana, uma ofensiva contra um campo de refugiados no norte de Gaza, que teria deixado dezenas de mortos, aumentou as críticas à resposta das forças israelenses

A decisão da Bolívia também acontece um dia após um encontro na capital entre o presidente Luis Arce e o embaixador palestino Mahmoud Elalwani. Na oportunidade, Arce já havia condenando o que chamou de “crimes de guerra” contra civis inocentes, mais uma vez exigindo que o Conselho de Segurança da ONU “evite o genocídio do povo palestino”. E ainda deu tempo de a novidade respingar na política local: crítico usual de Israel – e de praticamente tudo que tenha a simpatia dos EUA, como também é o caso deste tema – o ex-presidente Evo Morales (2006-2019) aproveitou a oportunidade para cutucar seu antigo aliado (entenda a briga entre Evo e Arce), dizendo de forma indireta que os laços diplomáticos só foram cortados “por pressão do povo”, só “três anos depois” da posse de Arce e não antes do “regime israelense matar mais de 8 mil pessoas”. Para o ex-mandatário, no mais, a quebra de vínculos ainda não é suficiente – ele recomendou que a Bolívia também apresente uma queixa contra Israel no Tribunal Penal Internacional (TPI).

O presidente colombiano Gustavo Petro tem sido um crítico ferrenho das ações militares e da ocupação de Israel na Faixa de Gaza, ameaçando cortar relações diplomáticas com o país. Foto: Andrea Puentes / Presidência da Colômbia
O presidente colombiano Gustavo Petro tem sido um crítico ferrenho das ações militares e da ocupação de Israel na Faixa de Gaza, ameaçando cortar relações diplomáticas com o país. Foto: Andrea Puentes / Presidência da Colômbia

Alguns passos atrás da Bolívia, mas também cada vez mais veementes nas críticas à atual situação em Gaza, estão Colômbia e Chile. Durante a semana, os governantes dos dois países convocaram seus respectivos embaixadores em Israel para consultas, novamente criticando a situação a que os civis têm sido submetidos.

O primeiro caso não é bem uma novidade: como contado pelo GIRO há cerca de meio mês, o colombiano Gustavo Petro está há semanas numa guerra digital contra autoridades israelenses, inclusive causando um furor por comparar a ocupação na Palestina ao Holocausto. Repetindo um tom duro nas declarações dadas esta semana, Bogotá dá vários indícios de que pode repetir o gesto boliviano a qualquer momento: embora tenha se reunido duas semanas antes com os embaixadores de Israel e Palestina para demonstrar solidariedade aos dois lados, o presidente colombiano já sonda a possibilidade de retirar a embaixada colombiana em Tel Aviv e anunciou a abertura de uma representação diplomática em Ramallah, no território palestino da Cisjordânia. 

Força Aérea da Colômbia envia ajuda humanitária à Faixa de Gaza, no dia 25 de outubro. Foto: Leo Queen / Presidência da Colômbia
Força Aérea da Colômbia envia ajuda humanitária à Faixa de Gaza, no dia 25 de outubro. Foto: Leo Queen / Presidência da Colômbia

Mais abaixo na cordilheira, Gabriel Boric também voltou a repudiar o que chamou de “violações inaceitáveis ​​do Direito Internacional Humanitário”, declarando que as “ditas operações militares implicam punição colectiva à população civil palestina”. O Chile, vale lembrar, detém a maior comunidade palestina fora do mundo árabe, sendo esse um assunto sensível entre muitos chilenos. 

Sem muitas surpresas, quem também tocou no assunto no último sábado (28) foi o presidente cubano Miguel Díaz-Canel. Repetindo o discurso de solidariedade, o mandatário disse que “a história não perdoará os indiferentes” à situação em Gaza, aproveitando para criticar os EUA por vetarem uma resolução na ONU, proposta pelo Brasil no último dia 18, que previa o estabelecimento de corredores humanitários para assistir civis.

Já o salvadorenho Nayib Bukele, único presidente da região de origem palestina, limitou-se a condenar as ações do Hamas, dizendo que “essas bestas selvagens não representam os palestinos”.

Os novos posicionamentos de governos latino-americanos a favor da causa palestina – via de regra posicionados à esquerda no espectro ideológico –, no entanto, não são unânimes na região. No final de outubro, uma nova resolução aprovada pela Assembleia Geral da ONU contou com votos dissidentes na vizinhança contra a trégua humanitária. A maior parte dos países do continente está entre os 120 votos favoráveis à medida, com exceção de Guatemala e Paraguai – que, não por acaso, também estão entre os poucos latinos que ainda figuram ao lado dos EUA em relação a Taiwan, outro tema diplomático delicado (entenda). Haiti, Panamá e até o Uruguai – contrariando o posicionamento histórico do país, segundo analistas – se abstiveram. 

A questão Israel-Palestina é assunto no mundo há mais de 70 anos e a atual fase do conflito, com respostas cada vez mais duras por parte dos israelenses e civis mantidos reféns, mostra que o tema não sairá do noticiário tão cedo, com um número cada vez maior de vítimas inocentes. É, portanto, razoável supor que a fila puxada pela Bolívia esta semana possa aumentar a qualquer momento em novembro.

CAPA: Presidente boliviano Luis Arce em coletiva de imprensa realizada em março de 2022. Foto: Assembleia Legislativa da Bolívia via Flickr

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