Conecte-se

Poder

Poder#Eleições 2022

"Espanha não é exemplo de reforma trabalhista", adverte economista

País tem a maior taxa de desemprego da Europa. Para o economista espanhol Alfredo Arahuetes, em Madri, a fixação dos ex-presidentes Temer e Lula pela reforma trabalhista recém abolida na Espanha não faz sentido

Andrei Netto, do Headline
#Eleições 202214 de mar. de 228 min de leitura
Trabalhador aguarda em fila de entrevistas por um posto de trabalho no Brasil: reforma trabalhista feita no governo de Michel Temer (MDB) não resultou na criação de empregos prometida. Foto: Daniel Marenco/ Headline
Andrei Netto, do Headline14 de mar. de 228 min de leitura

Em 24 de abril de 2017, o ex-presidente Michel Temer encontrou-se com o então primeiro-ministro da Espanha, Mariano Rajoy. Temer planejava uma reforma trabalhista, que era uma das bandeiras do manifesto “Ponte para o Futuro”, o plano de reformas econômicas que ele prometeu ao empresariado ainda antes do impeachment de Dilma Rousseff. 

E a fonte de inspiração era a Espanha. 

Na época, Temer elogiou a iniciativa  de Rajoy de “flexibilizar" a legislação trabalhista, suprimindo garantias aos trabalhadores, em troca da promessa da criação de mais postos de trabalho. Graças à mudança na lei trabalhista, "a Espanha pôde renascer”, afirmou Temer na época. Para a equipe econômica de Temer, então liderada pelo ministro Henrique Meirelles, a reforma trabalhista na Espanha era o exemplo a ser seguido pelo Brasil.

Menos de cinco anos depois, Temer e Rajoy estão fora do poder e a reforma trabalhista acaba de ser, pelo menos parcialmente, revogada na Espanha. A medida foi tomada pelo atual governo liderado pelo social-democrata Pedro Sánchez. Ele justificou a decisão dizendo que, apesar de a reforma ter gerado novos empregos, eles são mais precários, a média salarial caiu e a desigualdade social aumentou. 

A decisão dessa “contrarreforma”, como chamam os espanhóis, mais uma vez virou exemplo para o Brasil. Agora é o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, virtual candidato do Partido dos Trabalhadores (PT) à presidência, que considera a Espanha uma referência. Na última terça-feira, 11, Lula encontrou-se com representantes do Executivo e do Legislativo espanhol, do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) e com sindicalistas brasileiros para conhecer melhor as novas mudanças feitas por Sánchez.

A fixação dos líderes políticos brasileiros pelo caso espanhol causa surpresa no economista Alfredo Arahuetes, professor da Universidade Pontificia de Comillas, em Madri. Para ele, mesmo que a Espanha tenha reduzido o desemprego ao longo da década, existe um os problema estrutural no mercado de trabalho, que não consegue gerar os empregos necessários, e muito menos postos de trabalho de qualidade. 

Atualmente, 14,57% dos 20 milhões de espanhóis em idade ativa estão desempregados, contra 27%, no pico da crise econômica do país, em 2013.

A Espanha, lembra Arahuetes, é o campeão europeu do desemprego, e nem a reforma de Rajoy, nem a de Sánchez, fizeram do país um exemplo de política trabalhista.

Headline – No que consistiu a “contrarreforma” da lei trabalhista feita pelo presidente de governo da Espanha, Pedro Sánchez?

Arahuetes – A reforma modifica alguns aspectos da reforma precedente, do primeiro governo Rajoy, mas não a sua essência. Ela ajeita um pouco alguns aspectos. Ela devolve a capacidade de acordos entre os sindicatos, o que a gente chama de negociações coletivas. A reforma anterior deixava um marco mais aberto para que os trabalhadores pudessem se desconectar da negociação coletiva nos momentos de negociar com as empresas.

"É uma reforma que trata de acomodar alguns aspectos da reforma anterior, mas não é uma reforma pensada para criar emprego."

Headline – A Espanha tem um desemprego estrutural, da ordem de 14,5% da população economicamente ativa.  

Arahuetes – Somos o país da Europa com mais desemprego – mais do que Portugal, mais do que a Grécia, mais do que qualquer outro país da Europa. Alguma coisa não está funcionando no mercado de trabalho na Espanha. A realidade é essa. Você pode discutir se a reforma é muito restrita, é boa ou má. Mas, na verdade, o problema é que nós somos um país com uma baixa capacidade de criação de emprego. O último dado que apareceu na semana passada foi que, nos anos da pandemia, 3/4 dos empregos que se criaram foram empregos públicos. Isto quer dizer que nós somos uma economia com problemas de estrutura produtiva, o que tem a ver provavelmente com a importância do setor turístico em nossa economia, mas, ao mesmo tempo, com uma rigidez institucional no mercado de trabalho que coloca bastante dificuldade para a criação de emprego. E somos o país da Europa com mais desemprego de jovens.

Fila por vaga no mercado de trabalho no Brasil
Trabalhadores em busca de uma vaga no mercado de trabalho brasileiro. Desemprego no Brasil é o dobro da média mundial, o maior do G20 e o pior entre 44 países, segundo ranking da consultoria Austin Rating. Foto: Daniel Marenco/ Headline

H – No entanto, a reforma do governo Rajoy, que liberalizou o mercado de trabalho, foi pensada justamente para a criação de empregos em massa. Qual é o balanço da reforma nove anos depois?

Arahuetes – A reforma de Rajoy tentou precisamente flexibilizar o mercado de trabalho para criar emprego. Mas não foi uma flexibilização no sentido de modernização, combinando o que na Europa se fala em “flexisecurity", combinando flexibilidade com seguridade. Não conseguimos fazer isso. Avançou-se muito na flexibilidade, mas não se fez uma reforma forte do mercado de trabalho, do tipo feita por países do centro e do norte da Europa, que combinam flexibilidade do mercado, com seguridade social. Tem que olhar mais para Alemanha, Holanda, Bélgica, Áustria, Finlândia, Noruega – todos os países do norte da Europa têm avançado muito. Eu acho que são os melhores exemplos das reformas do mercado de trabalho. 

H – Então a Espanha não é um exemplo?

Arahuetes – Nós não somos um exemplo. É muito bom para o governo da Espanha que o ex-presidente Lula diga que é possível que o Brasil irá reformar a legislação laboral pensando um pouco na reforma que foi feita na Espanha.

"A Espanha não é o melhor exemplo para a reforma do mercado de trabalho."

H – O senhor acha que a reforma de Rajoy de nove anos atrás tendeu demais para a flexibilização em relação à securitização? Fala-se muito em precarização do mercado de trabalho na Espanha.

Arahuetes – Em certa medida você tem razão. Flexibilizamos, mas não conseguimos uma flexibilidade igual a dos países do norte da Europa. Você tem que ficar introduzindo diversas modalidades de flexibilidade, por exemplo contratos temporários e contratos por missão – que nessa "contrarreforma" foram modificados, para reduzir a temporalidade e reduzir contratos específicos em função da característica própria de um determinado setor. Esses foram dois campos modificados nesta "contrarreforma". Mas eu não sei se isso não é mais uma rigidez. Você vai conseguir menos temporalidade, certo, mas não vai conseguir mais criação de emprego, porque o pessoal que contrata, o empresário privado, vai achar que o risco que tem quando contrata é muito grande, se não contratar as pessoas adequadas. E o risco é muito grande para as pequenas e médias empresas, que são as mais numerosas na Espanha. Não é uma reforma pensada para as pequenas e médias empresas. É uma reforma em que os sindicatos pensam que o país, institucionalmente, está composto principalmente por grandes empresas. A situação é o contrário.

Lula se encontra com representantes do governo espanhol em São Paulo
Lula se encontra com representantes do Executivo e do Legislativo espanhol, com membros do PSOE, partido social-democrata de Pedro Sánchez, e com sindicalistas brasileiros. Foto: Ricardo Stuckert/ Instituto Lula

H – A "contrarreforma" de Pedro Sanchez trouxe mais garantias e vantagens para o trabalhador? Como ela resolve a questão dos trabalhadores de aplicativos, por exemplo, que é uma questão sensível no novo mercado de trabalho?

Arahuetes – A ideia é dar mais força aos sindicatos na defesa dos trabalhadores nas negociações de situação laboral. Introduz restrições nas modalidades de contratos, reduz a temporalidade, reduz diversos tipos de contratos que introduziam a possibilidade de mais flexibilidade. Ao mesmo tempo, por exemplo, se você faz uma subcontratação, contratação de terceiros, você não pode subcontratar uma empresa que tenha relações laborais com seus trabalhadores diferentes da empresa que contrata originalmente. Aí tem uma questão: se você está subcontratando é porque provavelmente não tem capacidade, ou não quer assumir uma responsabilidade temporária para determinados trabalhos. Mas você agora só pode subcontratar companhias que tenham condições laborais idênticas às suas. Não pode ter trabalhadores com menores salários, menos proteção social, etc. Nesse sentido, a reforma pretende defender mais os interesses dos trabalhadores. Mas há uma outra possibilidade que temos de estudar: nós temos um mercado de trabalho com alto nível de desemprego, alguma coisa está acontecendo no mercado de trabalho na Espanha. É impressionante. É muito difícil.

"Os jovens têm enorme dificuldade para entrar no mercado de trabalho."

H – Assim como o ex-presidente Temer usou a Espanha como referência para sua reforma de flexibilização do mercado de trabalho no Brasil, o ex-presidente Lula está usando agora como exemplo a "contrarreforma" de Pedro Sánchez. E o que o senhor está dizendo é que a Espanha não é um bom exemplo nem para um lado, nem para outro.

Arahuetes – É isso. Se a gente tem o pior mercado de trabalho na Europa – o maior desemprego na Europa é o mercado espanhol –, alguma coisa a gente não está fazendo bem. Nós temos que ser autocríticos com isso. Não podemos achar que fizemos uma reforma do mercado de trabalho para conseguir ser um país com uma grande capacidade de criação de emprego. Não é assim. Mesmo os imigrantes passam pela Espanha para ir a outros países da Europa. Eles não ficam na Espanha. Não ficam porque aqui têm poucas oportunidades.

#Eleições 2022
Lula
Economia
Desemprego
Espanha