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Comédia de Greta Gerwig traz Barbie em crise existencial

A vida da Barbie é perfeita. Exceto quando ela coloca os pés no chão

Gaía Passarelli, da Headline | São Paulo
#CINEMA19 de jul. de 235 min de leitura
Barbie tem um problema | Foto: reprodução/Warner Bros
Gaía Passarelli, da Headline | São Paulo19 de jul. de 235 min de leitura

Se você entrou na internet em algum momento nos últimos meses, então deve saber que existe um filme da Barbie sendo lançado. Mas se sua informação sobre O Grande Evento Cultural da temporada (junto da estreia de "Oppenheimer", de Christopher Nolan) termina aí, permita-me te dar um pouco mais de contexto: "Barbie", o filme, é o primeiro live action da Barbie, a boneca, tem direção da Greta Gerwig, uma jovem diretora vinda do cinema independente, e é estrelado por Margot Robbie (também produtora do filme) e Ryan Gosling. Os nomes são importantes para entender a primeira coisa que é preciso saber sobre o filme: ele não é só uma versão "com pessoas" dos desenhos animados da boneca loira". É um lançamento cinematográfico com enorme star power, capaz de literalmente pintar capas de revistas e lojas de rosa-choque.

Barbie Land, a terra da Barbie
Bem-vindas à Barbie Land | Foto: reprodução Warner Bros

Parte do sucesso de "Barbie", mesmo antes de estrear, se deve ao fato de que esse não é um blockbuster genérico no mesmo sentido de como os filmes Marvel e DC se tornaram filmes genéricos sobre super-heróis. "Barbie" tem algo mais: nostalgia, leveza, ironia. Em especial, um cinismo que pode ser perdido quando, inevitavelmente, nos vermos soterrados por hot takes de boteco dizendo que o filme é machista ou feminista, que o filme falha ao não representar determinada demografia, que o filme só serve para vender bonecos, que a Barbie não tem paralelo no mundo real. Ou, pior, no caso de estarmos vivendo o começo de um "Barbieverso" com incontáveis sequels, prequels e spin offs.

O filme é uma página em branco sobre o qual Gerwig, como uma menina brincando de boneca, projeta suas referências e ambições. E ela escolheu fazer um filme subversivo que presta homenagem à estatura da Barbie como ícone cultural e, ao mesmo tempo, desdenha de sua importância. A diretora e seu casting tem dito em entrevistas que "Barbie" não é um filme sobre bonecas, mas sobre o significado de humanidade — e, acredite, é isso mesmo, mas provavelmente não do jeito que você está pensando (e você vai precisar ver até a última frase dita por Margot Robbie para entender).

Monolítica

"Barbie", o filme, começa com uma sequência, já vista em um dos trailers, em que meninas destroem suas bonecas bebês ao presenciarem a chegada da Barbie clássica ao mundo: a Margot Robbie gigante e de maiô em alusão à chegada do monólito no "2001", do Kubrick. É engraçado, esperto e acabou de começar: dali em diante, "Barbie" só fica maior, mais estranho e mais abusado a cada cena.

A narração da Helen Mirren ajuda a explicar: lançada pela Mattel em 1959, a Barbie foi o produto que mudou a relação que meninas tinham com suas bonecas até então. Era uma boneca-mulher linda, com rosto, corpo e roupas de atriz de cinema, que não fazia papel de mãe ou esposa e que com o tempo se tornou "tudo que você quer ser": astronauta, advogada, professora, diplomata, exploradora, veterinária, estrela do rock. Mas sempre numa ideia de beleza magra, peituda, com cabelos longos e pés curvados para caber em saltos. E quase sempre loira. A primeira amiga não branca da Barbie, a Christie, só apareceu em 1968, e as Barbies diversas são crias dos anos 1980. 

Barbie em ação com amigas do "mundo real"
Barbie em ação com suas amigas do "mundo real" | Foto: reprodução/Warner Bros

Essa dicotomia da mulher empoderada que é "tudo" desde que esse "tudo" caiba dentro de certo padrão de beleza não é ignorado no filme — logo no começo da trama, aprendemos que a Barbie principal é a "Barbie Estereótipo". E não é ignorado pela própria Mattel, que demorou, mas encarou renovação de sua linha de bonecas quando colocou no mercado bonecas com diversidade de corpos — movimento, claro, movido por mercado: a curva de vendas de Barbies estava em declínio. 

O filme ganha irresistibilidade quando assume suas contradições ao exibir desavergonhadamente o pézinho curvado da Barbie, sapatinho de salto da Barbie, o banheiro da Barbie, a cozinha da Barbie, a casa da Barbie, o carro da Barbie, a praia da Barbie, os inúmeros looks das Barbies e de seus contrapontos masculinos (e meio sem graça), os Kens — cuja insatisfação é o que vai fazer a história ir adiante, mesmo que ela esteja sempre focada nas relações entre crianças e bonecas, criadores e criaturas e, enfim, meninas e mães. É um filme com mais nuances do que o rosa-choque chapado dá a entender. Afiado, faz piada com a constatação óbvia, desconfortável e nada engraçada de que fora do mundo da Barbie as mulheres não são "tudo que querem ser".

Pés no chão

O melhor adjetivo para definir "Barbie", o filme, é divertido. O mundo da Barbie é charmoso, os looks são ótimos, as piadas funcionam e o timing cômico do Ryan Gosling como Ken é digno de Oscar. Mas tentar colocar numa caixinha (ops, spoiler!) adesivada de "filme feminista" é uma missão inglória. Ele pode ser visto tanto como crítica, mas nunca perde de vista que veio ao mundo para exaltar um produto que, em última instância, serve para espelhar as expectativas sociais em relação ao que significa ser mulher desde 1959.

Mas você não precisa pensar nisso para ver e rever "Barbie" pelo que ele é: uma sátira levada adiante por uma diretora em pleno comando de seu meio.

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