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"A situação do negro não tem melhorado no Brasil", diz economista do Insper

Pesquisadores e economistas Michael França e Alysson Portela lançam livro sobre números da Discriminação Racial no Brasil. "É preciso repensar as políticas públicas no Brasil", apontam

Danilo Rocha Lima , da Headline
#LIVRO26 de out. de 235 min de leitura
Capa e contracapa do livro Números da Discriminação Racial: Desenvolvimento Humano, Equidade e Políticas Públicas, lançado nesta sexta, 27 de outubro.
Danilo Rocha Lima , da Headline26 de out. de 235 min de leitura

Uma pessoa negra trabalhadora no Brasil em 1982 tinha um salário médio que não chegava a 50% do salário médio dos brancos. E essa situação manteve-se até o início dos anos 2000, sem evolução expressiva. Somente a partir dos anos 2000, a renda dos negros aumenta e essa desigualdade atinge seu menor índice em 2011, quando os negros alcançam 67,2% da renda dos brancos.

Números como esse dizem com eloquência o quanto a discriminação racial no Brasil ainda persiste, impulsionada pela falta de políticas públicas efetivas no país. Por isso, o Núcleo de Estudos Raciais do Insper lança nesta sexta, 27, o livro Números da Discriminação Racial: Desenvolvimento Humano, Equidade e Políticas Públicas. A obra, realizada em parceria com a editora Jandaíra é liderada e organizada pelos economistas e pesquisadores do Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa), Michael França e Alysson Portela.

"Somente quando a gente começa a olhar os dados é que a gente observa uma persistência muito forte da desigualdade sociais, da disparidades sociais. Houve poucas melhoras em alguns setores e pioras em outros. A situação do negro não tem melhorado no Brasil. E isso assusta muito, porque a gente já está falando, de um país com cerca de 40 anos desde a redemocratização", alerta Michael França, coordenador do núcleo.

Michael diz que a iniciativa do livro parte dos números analisados pela sua equipe que mostram uma grande falha do Estado brasileiro na luta pela redução de desigualdades, seja qual for a corrente ideológica que esteja no poder. "Se você pegar indivíduos negros e brancos com as mesmas características produtivas, existe uma diferença racial no mercado de trabalho de quase 15% que está constante nos últimos 40 anos", aponta o economista.

"Ou seja, foi um país que teve redemocratização, governos à esquerda, governos da direita, PT, PSDB ou outros, uma série de políticas públicas e não conseguiu fechar essa diferença no mercado de trabalho.

Negros ganham quase 15% a menos que os brancos de maneira constante. E é isso que o livro está sinalizando. A gente está falhando muito nas nossas políticas públicas. Se o objetivo é incluir o negro na sociedade moderna, a gente está fracassando", diz Michael França.

O economista afirma que houve alguns avanços na luta contra a discriminação no Brasil, principalmente desde o início dos anos 2000. "Porém, a gente realiza apenas uma parte da inclusão produtiva dos mais pobres. É importante haver transferência de renda e suavizar a pobreza. Mas precisamos avançar em outras coisas, na educação, no acesso à saúde e à cultura, para incluir o indivíduo e gerar mobilidade social", reitera Michael França, que também foi pesquisador visitante nas universidades de Columbia e de Stanford, nos Estados Unidos.

Faltam dados?

Questionado se o livro é uma resposta a uma carência de dados sobre o assunto no Brasil, Michael França é categórico. "Os dados estão aí. Eles não são utilizados porque a discriminação racial não é vista pelas suas autoridades como um problema no Brasil", sublinha o autor. Ele diz que institutos sérios no Brasil como o IBGE ou o IPEA já faziam esse trabalho árduo de disponibilizar esses números.

Por exemplo, números de décadas anteriores e explorados no livro já apontam as enormes dificuldades enfrentadas pelos negros para ter acesso a um acompanhamento médico na rede do SUS. É sabido que pretos e pardos têm duas vezes mais chance de nunca terem ido ao médico em comparação com os brancos, apesar do conceito de universalidade do sistema de saúde brasileiro. "O que a gente fez foi organizar um agregado desses dados e fazer algumas análises. Mas tudo isso está à nossa disposição nos últimos 30 anos. O problema é que os governos no Brasil brincam com a pobreza para ganhar voto", lamenta França.

Na obra, os autores apontam o quanto a estrutura social brasileira afeta nas escolhas dos negros e, consequentemente, na sua mobilidade social. Em suma, a desigualdade afetas as escolhas. "O fato é que a representatividade conta muito, sim. Se a gente acabasse no Brasil com os mecanismos discriminatórios, ainda sim o negro sairia desfavorecido. Por exemplo: o fato de às vezes você não ter ter tantas referências de negros economistas, na engenharia, na biologia etc faz o próprio negro achar que talvez aquilo não seja uma ocupação para ele e acabar seguindo uma trajetória às vezes muito parecida com a trajetória familiar", afirma Michael França.

Caminhos e soluções

Segundo os autores, o livro é "mais um ponto de partida do que um ponto de chegada" para repensar as políticas públicas no Brasil. "E a gente pode desde já fazer intervenções para tentar mudar o conjunto de escolhas dos negros e menos favorecidos", diz Michael França, que salienta que intervenções de baixo custo já poderiam pesar significativamente nessa dinâmica.

"A gente pode entrar no imaginário coletivo e afetar esse histórico. O simples fato de uma novela começar a ter mais negros (que representam a maioria da população), em postos como médicos, engenheiros ou advogados, já afeta o curso de escolhas da população", insiste.

Discutir discriminação racial no Brasil é fundamental para a compreensão da identidade nacional, segundo os autores. Para tanto, Michael espera que o livro chegue às mãos de gestores públicos, aos diferentes escalões do governo federal, aos acadêmicos e universitários e aos membros dos movimentos negros no Brasil. "Precisamos ser propositivos. É preciso ter consciência do impacto do atraso causado pela escravidão, sem esquecer de propor mudanças", sugere Michael França.

O livro Números da Discriminação Racial: Desenvolvimento Humano, Equidade e Políticas Públicas será lançado no Auditório Steffi e Max Perlman, no Insper, nessa sexta, às 18h, durante uma roda de conversa entre os autores e autoras da publicação.

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