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Uma democracia não pode acomodar golpistas de Estado

Acabadas as eleições, a parte democrática da população espera agora que se imponha o império da lei e que os golpistas sejam julgados por seus crimes contra a pátria.

Carolina Botelho, para Headline Ideias
#POLÍTICA9 de jan. de 235 min de leitura
Apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro atacam e invadem o Supremo Tribunal Federal, em Brasília, em 8 de janeiro. Foto: Ton Molina/AFP
Carolina Botelho, para Headline Ideias9 de jan. de 235 min de leitura

Há uma tentativa hoje de achar semelhanças entre a invasão do Capitólio há dois anos, nos EUA, e os atos golpistas e a invasão aos prédios dos Três Poderes brasileiros que ocorrem neste domingo, em Brasília. Natural buscar certo paralelismo entre os atos, em razão de que por trás de cada um deles estarem dois ex-presidentes derrotados nas urnas. Mas para uma melhor avaliação deste momento dramático que vivemos, prefiro chamar a atenção para as diferenças, que são enormes e fundamentais para entender o processo que nos levou a isso.

A primeira delas é que militares e as instituições da República não se calaram no caso americano. Ao contrário, com auxílio da imprensa e da sociedade civil, iniciaram uma força tarefa em defesa das instituições democráticas que levaram à prisão, até o momento, de quase mil golpistas que participaram de alguma forma à invasão do Capitólio em em 6 de janeiro de 2021. Sabe-se também que o Alto Comando militar dos EUA temeram o golpe que os ex-presidente dos EUA tentou e se posicionaram contra, colocando-se prontamente em defesa da Constituição americana. Falta muita gente a ser localizada e presa, mas as instituições estão trabalhando para que isso ocorra.

E aqui no Brasil?

Estamos assistindo há meses, para não falar em anos, um presidente da República que estimula parte radicalizada da população a se postar em frente a quartéis e pedir golpe de Estado. Uma das primeiras delas, no início da pandemia da covid-19, quando o mundo se horrorizava com o aumento progressivo de milhares de mortos pela doença e o Brasil perdia naquele único dia 2400 brasileiros pelo coronavírus, o próprio ex-presidente Jair Bolsonaro convocou a população a ir ao Quartel General em Brasília bradar contra o Congresso brasileiro e o Supremo Tribunal Federal. Nesse 19/4/2020, Bolsonaro pedia efusivamente intervenção militar no país, com fechamento do Congresso e do STF. Discursava ele:

“Eu tô aqui porque acredito em vocês. Vocês tão aqui porque acreditam no Brasil. Não vamos negociar nada (...) Todos sem exceção têm que ser patriotas e acreditar e fazer sua parte pra que possamos colocar o Brasil no lugar de destaque que ele merece. O povo no poder. Fazer tudo que for necessário.”

E o que foi feito desde então?

Nada suficientemente forte para impedir novos e mais novos ataques à democracia brasileira. Ainda se discutia à época (pasmem!), em alguns canais de imprensa, se o ato era realmente grave ou não. Mas desde então, essas manifestações se tornaram mais frequentes e se alastrava por diferentes regiões no Brasil. Todas, por sua vezes, estimuladas e com algum grau de contribuição do próprio Bolsonaro, filhos ou apoiadores. A despeito dessa inequívoca gravidade não houve limite de parte importante das instituições da República. Nada foi feito por parte das Forças Armadas, nada fez o ministro da Justiça da época, o ex-juiz Sergio Moro, que sairia dias depois acusando o presidente de interferir em benefício próprio na Polícia Federal. Augusto Aras, procurador geral da República, também não agiu em defesa da Constituição, assim como nada fez o então governador do Distrito Federal, o mesmo e apático Ibaneis Rocha, que somente hoje reagiu contra os atos golpistas, aparentemente, pelo receio de que a responsabilidade pela tentativa de golpe e dos atos terroristas recaiam apenas sobre ele. O que se vê de de lá para cá foi, no entanto, certa naturalização dessas ameaças antidemocráticas na rotina da sociedade brasileira.

Estragos deixados no prédio do Congresso Nacional, após a invasão de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro, neste domingo. É possível identificar objetos quebrados, cadeiras jogadas e vidros estilhaçados, além de extintores e mangueiras contra incêndio espalhadas pelo local. Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
Estragos deixados no prédio do Congresso Nacional, após a invasão de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro, neste domingo. É possível identificar objetos quebrados, cadeiras jogadas e vidros estilhaçados, além de extintores e mangueiras contra incêndio espalhadas pelo local. Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

A eclosão golpista de ontem, portanto, não pode ser vista como inesperada, já que estava sendo preparada há muito tempo e turbinada desde que o presidente Lula ganhou as eleições. Cabe agora que as instituições cumpram com mais celeridade o seu dever e punam com rigor quem participa ou participou nos últimos anos de todas as agressões à democracia e à tentativa de golpe de estado que vimos hoje em Brasília. É importante lembrar das muitas formas de participação nesses atos, que vão desde aqueles que estão agindo presencialmente nesses atos, invadindo e depredando patrimônio público, passando por quem organiza e financia o golpismo, mas não se esquecer também da omissão de quem deveria cumprir com suas funções constitucionais seja quem for.

Após a tragédia do governo Bolsonaro e das ameaças cotidianas de rompimento institucional liderada pelo ex-presidente, a sociedade escolheu ir às urnas em outubro de 2022 para manifestar seu apoio à democracia e condenar o golpismo tão exaltado e estimulado no governo derrotado. Acabadas as eleições, a parte democrática da população espera agora que se imponha o império da lei e que os golpistas sejam julgados por seus crimes contra a pátria. O governo recém empossado do presidente Lula precisa mostrar que entendeu esse desejo.

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