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#ELEIÇÕES 2022

"Não houve excesso do Tribunal Superior Eleitoral"

Mário Camera, da Headline | São Paulo

Para Luiz Viana Queiroz, advogado eleitoralista desde 1986 e ex-vice-presidente da OAB, nova regulamentação do TSE não amplia seus poderes, mas dá agilidade às decisões

22 de out. de 2212 min de leitura
22 de out. de 2212 min de leitura

A reta final da campanha presidencial deste ano está sendo marcada por um protagonismo inédito do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Responsável pelo cumprimento da lei e pelo bom funcionamento das eleições no país, há dias em que a corte aparece mais no noticiário do que os próprios candidatos. Foi o caso da última semana.

Em uma série de decisões que culminaram, na última quinta-feira (20), com uma resolução que "dispõe sobre o enfrentamento da desinformação que compromete a integridade do processo eleitoral", o TSE aumentou seu poder decisório no pleito. 

Entre outra mudanças, a decisão de quinta dá poderes ao TSE para agir de ofício – sem ter de esperar que alguma das partes entre com uma reclamação formal – e retirar do ar informações inverídicas que já tenham sido julgadas como tais pela corte, de forma colegiada. O objetivo é diminuir o tempo que essas fake news ficam no ar.

“Verificando que aquele conteúdo foi repetido, não haverá necessidade de uma nova representação ou decisão judicial”, explicou o presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes. 

Segundo Moraes, as eleições deste ano registraram um aumento de 1.671% nas denúncias de desinformação enviadas a plataformas digitais, quando comparadas às de 2020. O TSE também irá impor multa às plataformas digitais que não retirarem material inverídico do ar no valor de "R$ 100 mil a R$ 150 mil por hora de descumprimento, a contar do término da segunda hora após o recebimento da notificação" da corte.

No entanto, a resolução da última quinta-feira causou muito menos polêmica do que as atuações da Corte, presidida por Moraes desde agosto deste ano. Na mesma semana em que ditou as novas regras, o TSE irritou a campanha de Bolsonaro ao vetar o uso de uma fala do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Marco Aurélio Mello, na propaganda eleitoral.

Para Luiz Viana Queiroz, advogado eleitoralista desde 1986, ex-vice presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o TSE está exercendo seu papel constitucional ao garantir a "normalidade e legitimidade do processo eleitoral". Segundo ele, as "fake news", ou notícias fraudulentas, com a intenção de burlar a verdade, poderiam contaminar a eleição, contaminando também a consciência dos eleitores. "Nos últimos quatro anos, o TSE está determinado a conter as fake news, dentro dos limites do que o jurídico pode conter", sustenta.

A seguir, a síntese da entrevista concedida por Queiroz a Headline.

Uma faixa com os dizeres "Não é política, é a Copa do Mundo" é vista entre bandeiras com as cores da seleção brasileira de futebol em Belo Horizonte, em 16 de outubro, semanas antes do segundo turno da eleição presidencial. A bandeira e a camiseta verde-amarela tornaram-se símbolos da campanha do presidente Jair Bolsonaro. Foto: Douglas Magno/AFP
Uma faixa com os dizeres "Não é política, é a Copa do Mundo" é vista entre bandeiras com as cores da seleção brasileira de futebol em Belo Horizonte, em 16 de outubro, semanas antes do segundo turno da eleição presidencial. A bandeira e a camiseta verde-amarela tornaram-se símbolos da campanha do presidente Jair Bolsonaro. Foto: Douglas Magno/AFP

Headline – Como o senhor vê as últimas decisões do TSE às vésperas desse segundo turno das eleições?

Luiz Viana Queiroz – Eu vejo com normalidade, num processo político muito acirrado, em uma disputa de segundo turno para a presidência com duas candidaturas muito fortes. As pesquisas indicam um equilíbrio de forças. Isso tende a gerar um aumento do tom das propagandas eleitorais, tanto as oficiais, nos canais oficiais de propaganda dos candidatos e de seus partidos, quanto dos seus apoiadores. O direito eleitoral brasileiro tem legislação própria que proíbe fake news, proíbe desinformação e atribui à Justiça Eleitoral competência para controlar isso. Então, em todas as eleições há sempre debates jurídicos sobre a atuação dos candidatos e de seus apoiadores em relação à propaganda eleitoral.

Toda vez que há um excesso, a legislação eleitoral admite que haja o controle da Justiça Eleitoral. E toda vez que a Justiça Eleitoral controla dizendo não há alguém proibindo uma propaganda eleitoral ou estabelecendo limites aos meios de comunicação, isso gera o inconformismo. Estamos vendo isso agora nas redes sociais de forma avassaladora. Eu estou vendo o TSE se conduzindo de forma absolutamente normal, como tem sido em todas as últimas eleições.

"Não é nada absolutamente fora do normal que o TSE, a depender da circunstância, determine um limite das manifestações."

Headline – Tem três questões que foram levantadas que são muito polêmicas. Primeiro, há um poder de polícia maior nesse ano, que permite tirar um conteúdo do ar sem precisar que alguma das partes reclame de ofício. Segundo, o valor das multas de R$ 100 mil, R$ 140 mil por hora, a partir da segunda hora depois da notificação. E uma terceira, o poder que foi dado ao presidente do tribunal. Como o senhor vê essa essa resolução da quinta-feira que deu mais poderes ao próprio TSE? Era necessária nesse momento, há dez dias das eleições?

Luiz Viana Queiroz – Eu acho que sim, porque a avalanche de fake news está dominando o cenário dessa disputa pelo segundo turno e exige da Justiça Eleitoral a proteção da normalidade e legitimidade do processo eleitoral, que está no parágrafo 9º do artigo 14 da Constituição Federal e são as duas coisas mais importantes para a Justiça Eleitoral. Para fazer isso, ela precisa controlar as fake news e baixou a resolução. As pessoas reclamam muitas vezes sem sequer olhar o que diz a resolução. A resolução estabelece que, uma vez tomada uma decisão colegiada – ou seja, por todo o Tribunal Superior Eleitoral, por unanimidade ou maioria –, aí sim o presidente pode, encontrando uma situação equivalente àquela, tomar decisões sem precisar mandar de novo ao colegiado, porque o colegiado já decidiu.

Apoiador do presidente do Brasil e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro, segura uma camiseta com a imagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva retratado como um criminoso no Rio de Janeiro, em 18 de outubro. Foto: Carl de Souza/AFP
Apoiador do presidente do Brasil e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro, segura uma camiseta com a imagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva retratado como um criminoso no Rio de Janeiro, em 18 de outubro. Foto: Carl de Souza/AFP

O que fez o Tribunal Superior Eleitoral? Tentou dar agilidade ao cumprimento das suas decisões. Ele não transferiu para o presidente do TSE competência para decidir isoladamente. Olha o que diz a lei a artigo 3º da resolução: "A presidência do Tribunal Superior Eleitoral poderá determinar a extensão de decisão colegiada proferida pelo plenário do tribunal sobre desinformação para outras situações com idênticos conteúdos e para o mesmo conteúdo".

Saiu numa plataforma. Não precisa voltar o plenário contra outra plataforma. E quem for beneficiado pela decisão provoca a presidência e a presidente manda cumprir. Isso é uma regulamentação para dar mais eficácia às decisões do plenário.

"Eu acho que não houve excesso do TSE. Houve melhoria da prestação jurisdicional."

Headline – Algumas das decisões recentes do TSE, como a retirada da fala do ex-ministro Marco Aurélio Mello na propaganda eleitoral do candidato Bolsonaro, foram tachadas de censura. Elas podem ser tachada de censura nesse caso?

Luiz Viana Queiroz – Olha, eu tenho uma dificuldade grande de me manifestar sobre decisões de caso concreto. Para quem é jurista como eu, acostumada ao processo, eu teria que ver o processo. O que foi que levou a decisão do tribunal para estabelecer isso em relação ao Marco Aurélio e eu não faço ideia. Primeiro, a liberdade de expressão no Brasil é uma garantia constitucional, mas não é absoluta. Não existe direito absoluto à liberdade de expressão. Isso está na própria Constituição, que estabelece os limites. Por exemplo, não é liberado no Brasil cometer crime contra a honra de ninguém porque tem liberdade de expressão. E isso parece que é muito claro. Então, a liberdade de expressão tem limite. Segunda regra constitucional, também muito clara, proíbe censura. E em relação à legislação eleitoral, não é possível tomar uma decisão restritiva de alguma manifestação previamente. Só é possível posteriormente.

Então, a Justiça Eleitoral não poderia dizer "Fulano, você não pode falar sobre isso", por exemplo. Mas quando o Fulano, qualquer que seja o Fulano – Marco Aurélio, eu, o Bolsonaro, o Lula, qualquer que seja – na hora que fala algo que configura ilícito, a Justiça Eleitoral pode dizer que aquilo é ilícito, que não pode ser veiculado. Eu não gostaria de lhe dizer se a Justiça Eleitoral acertou ou não acertou em relação ao caso do Marco Aurélio. Mas gostaria de dizer que é possível licitamente que a Justiça Eleitoral proíba reprodução de manifestações que considere ilícita, e ilícita porque ofende a honra de alguém. Injúria, calúnia, difamação configura desinformação, informação fraudulenta. E aí, cada caso é um caso. Você tem que ver as circunstâncias daquele caso para ver se efetivamente era um ilícito ou não era um ilícito.

Headline – Isso se aplicaria também ao caso da TV Jovem Pan News?

Luiz Viana Queiroz – Exatamente. Tem um detalhe maior. As pessoas estão muito indignadas porque a Justiça Eleitoral determinou de forma muito ampla a punição em relação à Jovem Pan. Mas aí, de novo, eu não sei quantas vezes a Justiça Eleitoral determinou que não se repetisse a conduta, porque a regulamentação do TSE vem num crescendo. A Justiça Eleitoral determina que não reproduza. Aplica multa. Aumenta a multa. Determina que pare. Pode, inclusive, tirar do ar.

"É juridicamente possível e a Justiça Eleitoral pode, sim, fazer o controle dos meios de comunicação."

Queria aproveitar para fazer um esclarecimento: talvez não tenha em outros lugares do mundo, talvez não nos Estados Unidos, mas no Brasil, televisão e rádio são concessão pública, têm mais restrições do que jornal e revista, que não são concessões públicas. Jornal pode abrir o editorial apoiando um candidato. Mas o rádio e a televisão não pode. Está vedado porque eles são concessões públicas. Eles não podem ter um lado na campanha, o lado na disputa. Às vezes as pessoas não entendem isso e acham que, sendo um jornalista pertencente a um rádio ou televisão, estão absolutamente livres para sua manifestação. Estão livres dentro dos contornos daquilo que prevê, dentro dos limites da legislação eleitoral.

Pessoas assistem ao debate presidencial televisionado entre o ex-presidente brasileiro e candidato pelo Partido dos Trabalhadores (PT), Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente brasileiro e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro, em um bar em Brasília, em 16 de outubro. Os debates têm ficado marcado pela grande quantidade de informações distorcidas nas falas dos candidatos. Foto: Evariso Sá/AFP
Pessoas assistem ao debate presidencial televisionado entre o ex-presidente brasileiro e candidato pelo Partido dos Trabalhadores (PT), Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente brasileiro e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro, em um bar em Brasília, em 16 de outubro. Os debates têm ficado marcado pela grande quantidade de informações distorcidas nas falas dos candidatos. Foto: Evariso Sá/AFP

Headline – No caso das grandes plataformas digitais, sobretudo o YouTube, essa legislação não se aplicaria, porque não é um canal, não é uma concessão estatal. E mesmo assim, quatro canais foram proibidos de monetizar o seu conteúdo pela Justiça Eleitoral. Como o senhor vê essa diferença, já que o senhor tocou nesse caso?

Luiz Viana Queiroz – Tudo gira em torno do controle das fake news. E esse é o mote, é essa a questão. E a Justiça Eleitoral tem competência por lei, definida por lei, para controlar as redes sociais e controlar o que aparece na lei e na resolução desse ano. Mas não são apenas regulamento e a lei atribui ao TSE a competência para fazer isso. A requerimento do candidato, partido ou coligação, observado e previsto no artigo 96 da Lei 9504, a Justiça Eleitoral poderá determinar, no âmbito e nos limites técnicos de cada aplicação de Internet, a suspensão do acesso a todo o conteúdo veiculado que deixar de cumprir as disposições desta lei, devendo o número de horas de suspensão ser definida proporcionalmente à gravidade da infração cometida.

Ou seja, o Congresso Nacional atribuiu à Justiça Eleitoral o poder para, em relação às redes sociais e às plataformas, impedir, que haja reprodução de conteúdo fake news. Assim, em relação às plataformas, está prevista na lei brasileira e o TSE tem competência para isso.

Para não parecer que eu sou advogado no TSE, vou fazer uma observação que para mim é importante, até para minha tranquilidade. O fato de que a lei atribua competência à Justiça Eleitoral não quer dizer que eles não possam errar. Juízes não são infalíveis. Mas quer dizer que, dentro do contexto do direito eleitoral, a Justiça Eleitoral pode decidir. E se errar, cabe recursos contra as decisões.

"É 'natural' que as pessoas que não conhecem o direito reajam a essas decisões de forma apaixonada. Se foi a favor do seu candidato, está ótimo. Se foi contra, é um horror, é fraude, é corrupção."

Não é assim no direito. Sem ter fraude, sem ter corrupção – que às vezes existe. No Direito há sempre pelo menos duas posições possíveis e os juízes julgam conforme o entendimento da lei. Podem errar? Podem. Aí cabe recurso para aquele que se sentir prejudicado.

Headline – O senhor é advogado eleitoralista desde 1986. Eu queria saber qual é a diferença, à parte a questão da fake news, do ponto de vista jurídico, das eleições de 2022 em relação às eleições desde a redemocratização.

Luiz Viana Queiroz – Eu lhe diria que a eleição está em um nível de paixão dos eleitores de uma forma muito difícil de lidar. As pessoas – eu tiro pelos meus amigos, meus familiares – não têm mais serenidade para discutir o tema. É sempre uma discussão apaixonada. E, me permita dizer, a paixão é sempre uma má conselheira. Então, num ambiente apaixonado, a tendência de a decisão ser ruim é maior. Segundo, a cada ano que passa a velocidade da propaganda, da comunicação, das redes sociais exige do Judiciário uma resposta cada vez mais rápida. E o Judiciário, na busca do justo, tradicionalmente não se preocupa com a velocidade. Mas na eleição precisa se preocupar com a velocidade, porque se não decidir rapidamente, não tem mais sentido nenhum, já que a eleição acaba no domingo. Então, eu diria que as duas grandes novidades para essa eleição são o nível de paixão e a velocidade, a necessidade de tomar decisões rápidas demais.

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