Conecte-se

Sociedade

#SOCIEDADE

Brasil, século 21: negro, africano, Franklin foi explorado na Serra Gaúcha

Andrei Netto (reportagem) e Daniel Marenco (fotos), da Headline | Bento Gonçalves (RS)

Imigrante nigeriano foi vítima de trabalho análogo à escravidão em Bento Gonçalves, trabalhando para aviários que fornecem carne à BRF (Brazil Foods) em troca de R$ 30

7 de mar. de 234 min de leitura
7 de mar. de 234 min de leitura

Dentre todas as centenas de trabalhadores explorados em produções de vinho, fornecedores das vinículas Aurora, Salton e Garibaldi, e aviários fornecedores da multinacional alimentícia BRF (Brazil Foods) em Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha, havia uma esmagadora maioria de baianos. Mas um caso excepcional chama atenção. Seu nome é Franklin A., de 27 anos. Negro, nigeriano, ele acabou submetido a condições análogas à escravidão no Brasil do Século 21.

Nascido na Nigéria, país mais populoso do continente africano, Franklin desembarcou no Brasil em outubro de 2021, depois de cruzar o Atlântico em um navio que acostou no porto de Paranaguá, no Paraná. Em dezembro de 2022, ele decidiu migrar ainda mais ao sul do país, atraído por um amigo que lhe convencera da oportunidade de trabalhar na produção vinícula da Serra Gaúcha. "Um amigo achou uma empresa, Oliveira & Santana, para trabalhar na uva. Contrato de R$ 2500, pagando a passagem. Fomos cinco ao todo, três venezuelanos", contou.

Oliveira & Santana é uma das empresas de Pedro Augusto de Oliveira Santana, empresário baiano radicado em Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul. Na cidade, ele foi sócio e parceiro de negócios do gaúcho, Fabio Daros, proprietário dos alojamentos nos quais agentes da Polícia Federal, do Ministério Público e do Ministério do Trabalho constataram crimes como trabalho análogo à escravidão e tráfico de pessoas.

Santana, conhecido no interior da Bahia como "Pedro da Sadia", prestava serviços oferecendo mão de obra para produções rurais que forneciam uva para três grandes vinícolas brasileiras – Salton, Aurora e Garibaldi – e aviários fornecedores de carne para o grupo BRF.

Em lugar de uma oportunidade, no entanto, Franklin encontrou trabalho abusivo, dívidas fabricadas – com transporte, alimentação e alojamento –, miséria, fome e angústia. Ao chegar, conta o nigeriano, a colheita da uva ainda não havia iniciado. O imigrante recebeu então uma "oferta" para trabalhar nos aviários. A atividade, chamada "apanha de frango", consiste na apanha (ato de apanhar), encaixotamento, transporte e descarga da provisão de carne de aves para a indústria do alimento. "Então eu fui trabalhar no frango", conta o trabalhador.

Um mês após o início da atividade, relata, passou a sofrer de problemas de coluna – uma lesão por esforço repetido típica da atividade que pode se traduzir em crises de discopatias, como hérnias de disco. Sem acesso a remédios, que não lhe teriam sido fornecidos pela empresa que o contratara, Franklin pediu para trabalhar na colheita. "Fui falar com ele (Pedro Santana): 'Eu cheguei aqui para trabalhar na uva e vocês me colocaram no frango. Agora a uva vai começar, eu quero trabalhar na uva'", relembra. "Ele me botou para trabalhar na uva."

Franklin trabalhou um mês e 13 dias, até a quarta-feira, 22 de fevereiro, quando uma ação policial organizada pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) resultou na prisão, e, a seguir, na liberação sob fiança de Santana e Daros por submeter funcionários a trabalho análogo à escravidão, além de suspeitas de tortura e ameaças de morte.

Durante seu tempo de contrato, o trabalhador conta jamais ter recebido o prometido. "No primeiro mês, eu, Franklin, recebi R$ 30, na frente de todo mundo aqui", disse ele, apontando a 23 outros homens em situação semelhante, com os quais Headline se encontrou em Bento Gonçalves. "No segundo mês, recebi R$ 590. Eu sou imigrante. Não posso passar mal. Mas eu estou passando mal, estou passando fome."

Sem casa, sem dinheiro

A reportagem encontrou-se com os trabalhadores em uma casa transformada em alojamento na quarta-feira, 1º de março, na Rua Maximiliano Sonza, 310, em Bento Gonçalves. A residência havia sido interditada pelo município, e os trabalhadores – a maioria ligados a empresas prestadoras de serviços para aviários – acabaram recebendo o apoio do Ministério do Trabalho para receber os salários devidos e embarcar para a Bahia.

Até aquele momento, Franklin não tinha dinheiro nenhum, segundo confessou. "Então estou esperando meu salário", disse ele. "Hoje eu só tomei café, sem pão. Até agora estamos esperando a empresa nos chamar para pegar nosso dinheiro. Estamos passando fome, muito sofrimento. Agora vou dormir na rua. Está interditado para dormir aqui. Não tenho onde dormir hoje."

Ao contrário de seus colegas vindos da Bahia, o nigeriano pretendia permanecer em Bento Gonçalves por ter convicção de que seria possível trabalhar para outras empresas da região. "Queria o meu dinheiro, os três meses do meu salário. Vou alugar. Tem bastante empresas aqui para trabalhar", diz ele – que também evocava pensamentos suicidas.

___________________________

O que dizem as empresas envolvidas:

Errata: A primeira versão do vídeo desta reportagem continha imagens de outros locais sem ligação com o depoimento Franklin. Elas foram removidas desta versão.

#SOCIEDADE
TRABALHO
TRABALHO ESCRAVO
VIOLÊNCIA
BENTO GONÇALVES